ARTIGO – Setembro Verde e atuação da Defensoria Pública na luta anticapacistista

Flávia Albaine Farias da Costa
Defensora Pública de RO
Coordenadora da Comissão PCD da ANADEP

Setembro é o mês oficial de luta pela inclusão social da pessoa com deficiência, conhecido como Setembro Verde, eis que dia 21 de setembro é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência.

No presente ano de 2023 o mês ganha um destaque especial para Defensores e Defensoras Públicas diante da Campanha promovida pela ANADEP “Defensoria Pública em Ação pela Inclusão”, que objetiva debater a atuação da Defensoria Pública na promoção dos direitos das pessoas com deficiência, assim como o combate ao capacitismo dentro da própria Instituição.

Dentro de tal contexto, é importante esclarecer o modelo social de deficiência vigente na atualidade, tanto em âmbito interno assim como em âmbito internacional, e que surge em superação ao modelo médico reabilitador. Desta forma, a deficiência passa a ser vista como a resultante da interação entre as características individuais do sujeito mais as barreiras existentes na sociedade que ele está inserido e que atrapalham ou impedem o gozo de seus direitos e deveres de forma plena. É o contexto social que gera a exclusão e a solução da situação passa por uma sociedade acessível para todos os seus membros.

A Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência – aprovada pelo Brasil com status constitucional – reconhece expressamente que a deficiência é um conceito em evolução, resultante da interação entre indivíduos com deficiência e as barreiras – que podem ser de diferentes espécies – que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas . Nesse sentido, o trecho do artigo 1º da Convenção define o conceito de pessoas com deficiência da seguinte forma:

Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009).

De acordo com tal redação, a deficiência resulta da combinação de dois elementos: (i) o impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial; e (ii) a barreira. A deficiência, portanto, não é uma patologia individual. Ela depende em grande parte do contexto social e pode ser consequência de discriminação, preconceito e exclusão. Conceituação similar também está prevista no artigo 2º da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146 de 2015).

As barreiras experimentadas por pessoas com deficiência na efetivação de seus direitos decorrem do capacitismo existente na sociedade. O capacitismo é o movimento de exclusão e preconceito contra pessoas com deficiência exatamente em razão da deficiência. Assim como o machismo, o racismo e outros tipos de violência, é possível dizer que o capacitismo é um tipo de violência estrutural eis que transcende o âmbito da ação individual, e, muitas vezes, as suas condições acabam sendo reproduzidas pelas próprias instituições para o estabelecimento e a manutenção da ordem social.

O capacitismo direito tem como vítima a própria pessoa com deficiência, que infelizmente ainda encontra inúmeros obstáculos para o exercício de seus direitos fundamentais. Já o capacitismo por associação é aquele que atinge pessoas sem deficiência, mas que estão próximas de pessoas com deficiência, tais como mães e cuidadoras de pessoas com deficiência.

Inegável a importância da atuação da Defensoria Pública na luta contra o capacitismo estrutural, mormente diante das inúmeras reformas e transformações pelas quais a Instituição vem passando, abandonando a visão reducionista de assistência individual ao necessitado econômico para se transformar em uma instituição de promoção dos direitos humanos e da defesa de grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Dentro de sua atuação, é importante que a Instituição observe o Princípio do Nada sobre Nós sem Nós positivado nos artigos 3 e 4 da Convenção e que impõe a participação de instituições representativas de pessoas com deficiência em qualquer movimento que acarrete alterações jurídicas e sociais na vida desse grupo de pessoas. Esse Princípio se aplica tanto para atuações no âmbito do Poder Judiciário, assim como no âmbito do Poder Executivo e do Poder Legislativo, ou seja, dentro e fora do processo judicial. As vozes das pessoas com deficiência precisam ser ouvidas em toda e qualquer política pública ou privada que vá impactar em suas vidas.

A observância do princípio exige do Defensor Público uma disposição para escutar o que essas pessoas têm a dizer e levar tais ponderações para a sua atuação, tanto no âmbito individual como no âmbito coletivo. Portanto, a eliminação de barreiras decorrentes do capacitismo estrutural deve ser feita em conjunto com as próprias pessoas com deficiência e não de forma unilateral pela Instituição. A Defensoria Pública não entrega soluções prontas para os problemas estruturais. A atuação será construída através de um diálogo coletivo com as pessoas cujas vidas serão afetadas pela atuação defensorial.

Outro aspecto que merece destaque na superação das barreiras envolvendo pessoas com deficiência é a análise das opressões vivenciadas por esse grupo de pessoas sob o viés da interseccionalidade, eis que todo ser humano possui múltiplas identidades e é lido a partir de marcadores sociais que se justapõem (raça, gênero, orientação sexual, presença ou não de deficiência, classe social e outros).

Dentro de tal contexto, importante esclarecer que os artigos 6º e 7º da Convenção são cláusulas de interseccionalidade por abordarem, respectivamente, as mulheres e as crianças com deficiência. Já para outros fatores de vulnerabilidade (tais como raça, cor, idioma, religião, orientação sexual e outros) em que pese não haver dispositivos expressos, eles encontram embasamento na alínea “p” do preâmbulo. Ademais, a política de identidade no contexto da deficiência pode ter outros significados, tais como as categorias ou causas de deficiência, a diferença entre o comprometimento adquirido e o comprometimento congênito e outros.

As pessoas com deficiência integram um grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade diante das barreiras impostas pelo capacitismo estrutural. A Defensoria Pública, por sua vez, enquanto Instituição promovedora de direitos humanos, possui a missão constitucional de eliminar- ou, quando não for possível a eliminação, que haja a amenização – dessas barreiras que impedem que pessoas com deficiência exerçam os seus direitos fundamentais como o direito à educação, o direito à saúde, o direito ao trabalho, a emissão de documentos, a mobilidade urbana, o lazer, dentre outros.

Que as lutas de Defensores e Defensoras em prol da inclusão social das pessoas com deficiência possa continuar ocorrendo para muito além do Setembro Verde, no exercício genuíno do múnus pela promoção dos direitos humanos de grupos sociais em situação de vulnerabilidade.

Arte:Ascom DPE-PI/Divulgação 

Fonte:DPE-PI 

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