A “venda casada” na jurisprudência do STJ

No seu art. 39, o Código de Defesa do Consumidor prevê um rol exemplificativo das chamadas práticas abusivas, condutas vedadas no mercado de consumo. Entre elas está a denominada “venda casada” que ocorre quando o fornecedor condiciona a aquisição de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, sem conferir liberdade ou alternativas ao consumidor. Eis a redação do art. 39I, do CDC:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:


I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”

A venda casada representa, como dito, uma prática abusiva de obrigar o consumidor a adquirir um produto ou serviço atrelado a outro ofertado pelo fornecedor. É a venda ou disponibilização associada ou vinculada (“arranjo de amarração”) à aquisição de outro produto ou serviço, sem se conferir alternativa ou opção livre ao adquirente.

A denominada venda casada (tying arrangement) representa uma violação à boa-fé objetiva e consiste no prejuízo à liberdade de escolha do consumidor decorrente do condicionamento, subordinação e vinculação da aquisição de um produto ou serviço (principal – “tying”) à concomitante aquisição de outro (secundário – “tied”), quando o propósito do consumidor é, unicamente, o de obter o produto ou serviço principal – ver voto da Min. Nancy Andrighi no emblemático REsp 1737428/RS, julgado em 12/03/2019.

De fato, o direito à informação derivado da boa-fé objetiva deve permitir ao consumidor avaliar de modo livre, consciente e com lucidez a conveniência (ou não) de sua adesão ao respectivo contrato. A venda casada implica, por sua vez, numa imposição unilateral consistente na inclusão de serviço não solicitado ou com informações insuficientes ou inadequadas sobre um produto ou serviço.

Para o STJ, a venda casada ocorre em virtude do condicionamento a uma única escolha, a apenas uma alternativa, já que não é conferido ao consumidor usufruir de outro produto senão aquele alienado pelo fornecedor (REsp 1331948/SP).

Podemos citar, como exemplo, comuns no dia a dia: i) a venda de telefonia atrelada ao plano de internet, ii) o fornecimento de um cartão de crédito atrelada a de um seguro, iii) a compra e venda de bem imóvel vinculada ao contrato de seguro fornecido pelo banco, iv) impedir o consumidor de ingressar no cinema com produtos (refrigerantes, água, pipoca ou chocolates, por exemplo) adquiridos fora do estabelecimento de reprodução cinematográfica.

Segundo o STJ, há venda casada na imposição aos consumidores de contratação de outros produtos para a obtenção de empréstimo e abertura de conta-corrente (AgInt no REsp 1336939/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/05/2020).

Também ocorre venda casada na previsão de cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no show). Referida prática configura “venda casada”, pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do “trecho de volta” à utilização do “trecho de ida” (CDC, art. 39I).” (REsp 1699780/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/09/2018, DJe 17/09/2018). Entende-se que o condicionamento, para a utilização do serviço, o pressuposto criado para atender apenas o interesse da fornecedora, no caso, o embarque no trecho de ida, caracteriza-se a indesejável prática de venda casada.

O STJ considera ainda que “ao compelir o consumidor a comprar dentro do próprio cinema todo e qualquer produto alimentício, o estabelecimento dissimula uma venda casada (art. 39I, do CDC), limitando a liberdade de escolha do consumidor (art. II, do CDC), o que revela prática abusiva.” (REsp 1331948/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 14/06/2016, DJe 05/09/2016).

No emblemático REsp 1737428/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/03/2019, DJe 15/03/2019), o STJ entendeu que ao submeter os ingressos à venda terceirizada em meio virtual (da internet), deve-se oferecer ao consumidor diversas opções de compra em diversos sítios eletrônicos, caso contrário, a liberdade dos consumidores de escolha da intermediadora da compra é cerceada, limitada unicamente aos serviços oferecidos pela recorrida, de modo a ficar configurada a venda casada, nos termos do art. 39I e IX, do CDC.

Nos contratos bancários em geral, o consumidor não pode ser compelido a contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada. Assim, representa “venda casada” obrigar o consumidor a contratar seguro de proteção financeira (REsp 1639259/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 12/12/2018, DJe 17/12/2018).

Também haveria venda casada, se para adquirir/comprar um relógio, fosse necessário que o consumidor comprasse também 5 (cinco) produtos de uma marca de biscoitos – REsp 1558086/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 10/03/2016, DJe 15/04/2016. Ocorrerá venda casada se a empresa de telefonia impõe a aquisição de aparelho telefônico aos consumidores que demonstrassem interesse em adquirir o serviço de telefonia (REsp 1397870/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014)

Por sua vez, o contrato de plano de pecúlio, celebrado com a finalidade de concretizar a filiação aos quadros de entidade aberta de previdência complementar, constitui-se em requisito para a concessão do empréstimo ao interessado e, portanto, não se enquadra na vedação à “venda casada” de que trata o art. 39, inc. I, da Lei 8.078/90 (AgInt no AREsp 576.000/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 04/12/2018, DJe 11/12/2018).

(Por: Rodrigo Leite / Fonte: justicapotiguar.com.br)

Agência Brasil

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