O PROBLEMA ÉTICO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

É certo que através dos séculos, em instituições e diferentes formas de organização
judicial, existem vestígios de desvio de regras de conduta. O problema ético acontece desde a
formação das primeiras civilizações e hoje ele é uma realidade tanto em países desenvolvidos
como em nações em desenvolvimento. A quebra da ética na administração da justiça brasileira
é uma prática antidemocrática que acarreta o descrédito nas instituições e o enfraquecimento
dos valores morais. Não se perfaz como um fenômeno que ocorre de forma isolada, tampouco
é característica de algumas culturas. Com a intensificação das relações internacionais e o
fortalecimento da globalização, o problema atingiu escala mundial.

Um dos motivos principais para a necessidade de estudo aprofundado sobre os efeitos
do problema ético na administração da justiça resulta do fato de que as práticas contrárias à
ética se mostram extremamente frequentes no cotidiano dos diversos atores judiciários. O
presente artigo buscará contribuir para o entendimento e perscrutação acerca de que maneira e
em que medida a falta de ética na justiça brasileira vem afetando a legitimidade da
administração das instituições e consequentemente a consolidação da justiça.

Assim, esse tema é de grande relevância, porque a não institucionalização da ética
aparece nesse cenário como um problema que repercute no mundo jurídico, levando ao
aumento de práticas lesivas ao interesse público e ao enfraquecimento das instituições
judiciárias. Tal constatação advém da opinião e da atitude que os cidadãos têm quanto à
estrutura do sistema jurídico, o qual perde seu significado quando deixa de satisfazer às
demandas da sociedade por conta da indevida gerência provocada pela ausência de eticidade no
direito. “A função da ética é a mesma de toda a teoria: explicar, esclarecer ou investigar uma

determinada realidade, elaborando os conceitos correspondentes” (VASQUEZ, 1984 apud
OLIVEIRA, 2013, p. 6). Nesse caso,

O Estado, na medida em que foi criado para fomentar o bem comum,
deve interceder na conjuntura social para solucionar os problemas dos
cidadãos, cumprindo assim, a sua função, ao invés de legitimar os
interesses de determinadas classes sociais (OLIVEIRA, 2013, p. 9).

Sánchez Vásquez (2002) define ética como a teoria ou ciência do comportamento moral
dos homens em sociedade. O valor da ética como teoria está naquilo que explica, pois estuda
um comportamento humano que é considerado valioso, obrigatório e inescapável: os princípios,
valores, normas e juízos morais. Moral e ética denotam um comportamento adquirido ou
conquistado por hábito; moral do latim mos ou mores: costume ou costumes; ética do grego
ethos: modo de ser ou caráter. A moral é um fato histórico e deve ser considerada como um
aspecto da realidade humana mutável com o tempo.

O sentimento do que deve ser e do que não deve ser pode ser chamado de sentimento
de justiça e de injustiça. De fato, a palavra grega διχη que significa justiça, deriva do radical
Dik, Dic, no sentido de indicação, “dictamen” – isto é, de ditame, ou seja, de regra, norma.
Justiça quer dizer, portanto, etimologicamente algo referente à norma (regra). As normas
jurídicas, as normas morais, e a equidade têm algo em comum: todas são padrões de conduta
de acordo com o sentimento do que deve ser existente no homem normal (SOUTO, 2002).

Sendo assim, a ideia de ética em suas diversas definições doutrinárias envolve
sobremaneira a noção do que é correto ou incorreto dentro da sociedade, as quais são
condicionadas pelo momento histórico e pelo arcabouço valorativo de uma sociedade. Ética e
justiça são conceitos que estão intrinsecamente ligados, sendo a ética fundamental para o
exercício pleno da administração da justiça.

As sociedades têm despertado para o prejuízo que o problema ético na administração da
justiça brasileira tem causado. Cada vez mais, por meio de controle interno e organismos
internacionais, tem-se percebido que o mau funcionamento da justiça é quase sempre agravado
pelos efeitos diretos da falta de condutas éticas.

Dessa forma, os impactos da ausência da ética nos diversos órgãos judiciários produzem
consequências semelhantes em vários estados brasileiros, uma vez que o problema da ética está
alojado no sistema jurídico nacional. Nesse ambiente, independente das reformas que nosso
Judiciário necessita, é dele hoje a responsabilidade de impedir – ou criar obstáculos para – algo
mais decisivo do que um ilícito penal. É preciso institucionalizar a ética na justiça.

Apesar de o Brasil possuir uma das economias mais importantes do planeta, ao invés de
imbuir-se em transparência, é marcado por escândalos que envolvem todo tipo de atos ilícitos
praticados por autoridades e funcionários corruptos, que desaceleram o bom desenvolvimento
do sistema judiciário, através de jogos políticos (desvios, sonegação, omissão, ocultação,
compra de sentenças, suborno, propinas, abuso de poder, crime organizado, formação de
quadrilha, improbidade administrativa, nepotismo etc.), formando assim uma sociedade
insegura 2.

A falta e a quebra da ética na administração da justiça ameaçam de forma destruidora
todos os seus órgãos e aspectos da vida e da cultura de um país. Os cidadãos buscam o sistema
Judiciário para a solução de seus conflitos e esperam dele condutas equilibradas para as
demandas da nação, devendo as autoridades e funcionários dessa instituição ser exemplos para
a sociedade. Se dessa forma não ocorre, cria-se um ambiente de insatisfação e consequente
enfraquecimento da força do Judiciário como estrutura eivada de justiça e ética. Nas sociedades
que têm a falta de ética no sistema judiciário como um dos principais problemas a serem
combatidos, nota-se uma crise profunda e generalizada de valores, convicções e segurança.

A partir desses paradigmas, é possível auferir que o problema ético na administração da
justiça brasileira surge em situações de crise do judiciário. A falta de ética, em todos os seus
níveis, corrói a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora a vida das gerações
atuais e futuras. No Judiciário, a má administração da justiça não só prejudica a efetividade da
tutela dos cidadãos como leva ao abandono causas indispensáveis a justiça do país. Ao mesmo
tempo, atrai a ganância dos atores judiciários antiéticos e estimula a formação de quadrilhas
que podem evoluir para o crime organizado. Um tipo de delito atrai o outro, e quase sempre
estão associados.

O problema ético no plano da administração da justiça é sinônimo de degeneração dos
valores da comunidade, dando lugar à avidez dos homens em seu estado natural. Ocorre quando
deixa de ser observada a vontade geral em detrimento de interesses particulares desviados da
moral. A quebra da ética nesse ambiente corrói o sentimento de justiça3
, tornando os cidadãos
desconfiados de suas instituições. Nesse compasso, instituições judiciais que agem
contrariamente à ética drenam os recursos da comunidade e tentam se esconder da fiscalização

2 Almeida (2008), citado por Oliveira (2013, p. 19), diz que “nos últimos tempos, todavia, ocorreram acusações
de desvio de conduta no que concerne ao tráfico de influências, corrupção e prisões de magistrados e
investigações foram levadas a efeito para a apuração de crimes de toda espécie”.
3 Sentimento de agradabilidade em face do que se acha que deve ser operante socialmente, segundo Claudio Souto
(2002, p. 29).
3
da Justiça e dos olhos da população. Consequentemente, a força da ética como reguladora do
desenvolvimento histórico-cultural da humanidade é enfraquecida.
Fica demonstrada, assim, a necessidade de atenção contínua sobre o tema, haja vista que
ele é patente na sociedade brasileira. É, pois, importante que o Brasil possua órgãos públicos
com melhor eficiência e condutas éticas visíveis aos olhos dos cidadãos, na busca de uma sociedade mais justa.

da Justiça e dos olhos da população. Consequentemente, a força da ética como reguladora do
desenvolvimento histórico-cultural da humanidade é enfraquecida.

Fica demonstrada, assim, a necessidade de atenção contínua sobre o tema, haja vista que
ele é patente na sociedade brasileira. É, pois, importante que o Brasil possua órgãos públicos
com melhor eficiência e condutas éticas visíveis aos olhos dos cidadãos, na busca de uma
sociedade mais justa.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Aluisio Alves de. A ética no direito: nas relações sociais, humanas e profissionais.
Fortaleza: Premius, 2008.
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993.
SOUTO, Cláudio. Ciência e Ética no Direito. 2. ed., Porto Alegre: Sérgio Fabri Editor, 2002.
______; SOUTO, Solange. Sociologia do direito. São Paulo: Edusp, 1981.
TREVISAN, Antoninho Marmo et al. O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil. 2.
ed., São Paulo: Ateliê Editora, 2003.
VASQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.

 

Isabella Paranaguá

Advogada. Pós-Doutoranda em Direito pela Universidade de Birmingham-UK; Doutora em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal
do Piauí (UFPI); Especialista em Direito de Família e Sucessões. Vice-presidente da Comissão Nacional de
Promoção da Igualdade do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Professora de Direito
e Palestrante. Autora de obras jurídicas e artigos científicos.

 

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