Análise: Empreender é ser responsável por si mesmo

Dificuldades para entender o conceito de empreendedorismo confundem oportunidade com paternalismo

O conceito de empreendedorismo pode ser resumido a trabalhar para si mesmo, ser autônomo, e todo aquele que decide fazer isso encontra uma série de dificuldades, mas uma das principais é como obter clientes. Muitas vezes, quem empreende tem uma excelente proposta, um preço justo e boa qualidade, quer seja de produto ou serviço, porém, isso não é suficiente para que o negócio seja um sucesso, pois sem clientes, tudo vai por água abaixo.

Durante a pandemia, poucos foram os segmentos que conseguiram manter o ritmo de trabalho e menos ainda os que cresceram. Sem sombra de dúvida, com todas as restrições de circulação e fechamento dos comércios, o setor de entregas foi – e continua sendo – uma oportunidade de renda para muita gente. E os aplicativos se tornaram peça-chave para manter a economia girando.

Para quem perdeu o emprego ou teve suas atividades econômicas suspensas, cadastrar-se nos aplicativos de entrega foi uma forma de empreender imediatamente, sem necessidade de cursos, especializações etc., e sem ter de investir na captação de clientes. Esse modelo de negócio é o sonho de todo empreendedor, mas se aplica a pouquíssimos setores.

Todo empreendedor sabe que é responsável por si mesmo, ou seja, se ele não trabalha, não ganha, se faz um mau investimento, perde o dinheiro, e se toma uma decisão errada vai ter de arcar com as consequências. Se ficar doente então, preocupação dupla: o estado de saúde em si e o fato de não estar gerando renda. O único direito que o empreendedor tem sobre o seu próprio negócio é trabalhar. E, obtendo lucro ou não, pagar todos os seus impostos e cumprir centenas de obrigações.

Mas há autônomos que ainda não entenderam o que é trabalhar por conta própria, caso de uma parcela dos entregadores de aplicativos. Eles se beneficiam de toda estrutura das plataformas, na qual não investiram nada, têm autonomia para fazer seus horários de trabalho, podem escolher suas corridas e conseguem clientes sem fazer esforços para isso. Basta estar atento ao celular e as oportunidades de trabalho literalmente aparecerão na tela. Mesmo com toda essa autonomia, eles querem desfrutar de direitos trabalhistas como se tivessem vendido seu tempo para uma empresa, isto é, como se fossem funcionários.

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Alegam que estavam na linha de frente, expondo-se aos perigos de contágio do coronavírus e que as empresas são responsáveis pelo fornecimento de máscaras, álcool gel e, em caso de infecção, devem prover uma renda enquanto não podem trabalhar. Mas a pergunta é: quais são os autônomos de quaisquer outros segmentos que têm esses direitos? E mais: quem você acha que pagaria essa conta?

As leis brasileiras não incentivam o empreendedorismo e, por meio de um emaranhado de exigências, inviabilizam o crescimento não só das empresas, mas de todo tipo de inovação e progresso. Mesmo com todas as dificuldades, o empreendedor verdadeiro entendeu que depender de terceiros não significa ter segurança, ao contrário, é muito perigoso, pois coloca poder demais nas mãos de terceiros.

No empreendedorismo não há terceiros a quem responsabilizar e não há “direitos” a serem exigidos, cada um investe no que acredita e colhe os resultados, sejam eles quais forem. Mas o jeitinho brasileiro quer criar uma espécie de “empreendedorismo híbrido” que não faz nenhum sentido, afinal, pagar um autônomo como se ele não tivesse autonomia é como pagar por um produto que nunca foi entregue.

Enquanto o paternalismo imperar seguiremos trilhando o caminho do atraso e só nos restará repetir o que vem sendo dito há gerações: o Brasil é o país do futuro. Um futuro que não chega nunca.

Autora

Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.

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