Embora o advogado não responda por injúria nem difamação quando está na defesa de clientes, ele pode ser denunciado por calúnia. Segundo decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o inciso I do artigo 142 do Código Penal apenas protege o advogado de “ofensa irrogada em juízo” no caso dos crimes de injúria e difamação, já que o crime de calúnia não é mencionado no dispositivo.
De acordo com o voto do relator, desembargador Leandro Paulsen, a proteção ao advogado por suas manifestações não é absoluta e não pode servir para “encobrir a prática de excessos que configurem delitos”. A decisão foi de confirmar a condenação de advogada por acusações feitas a um juiz e a um delegado da Polícia Federal na defesa de cliente.
Tudo começou quando a advogada pediu que o Ministério Público Federal instaurasse investigação contra eles por expedição de mandado ilegal de prisão contra o marido dela. Na notícia-crime, ela se queixou que o juiz não vinha apreciando os requerimentos da defesa e vinha protelando o andamento da execução penal.
Como a notícia-crime foi arquivada de plano, o MPF denunciou a advogada por injúria, com agravante de o crime ter sido cometido contra funcionários públicos.
Em sua defesa, a advogada alegou não poder responder por exercer o direito de buscar o Judiciário contra ameaça a lesão de direito e por ausência de intenção de difamar ou injuriar o delegado e o juiz. Segundo ela, o caso foi de “mera crítica”, amparada pelas garantias dos advogados, descritas no parágrafo 2º do artigo 7º do Estatuto da Advocacia.
A advogada e o marido foram condenados por corrupção passiva, mas, segundo explicou em depoimento, o processo estava cheio de erros, e a queixa-crime ao MPF foi um “pedido de socorro”. “Tudo foi feito no desespero”, disse ela, explicando que é especialista em Previdenciário, e não em Penal, mas não tinha dinheiro para contratar um advogado e precisou defender a si e ao marido.
“Abuso de direito de defesa”
O juiz Selmar Saraiva da Silva Filho, da 5ª Vara Federal de Caxias do Sul, entretanto, concordou com a denúncia. Para ele, a advogada cometeu denunciação caluniosa. Segundo ele, ficaram comprovadas no processo que a advogada sabia que estava acusando o juiz e o delegado de crimes que ela sabe que eles não tinham cometido, e com a intenção de prejudicá-los.
Para o magistrado, a advogada pretendia coagir o juiz a suspender o mandado de prisão e a execução penal até o trânsito em julgado da condenação. “Ocorre que a ordem de prosseguimento da execução penal partiu do Superior Tribunal de Justiça, falecendo ao magistrado, e sobretudo ao delegado de polícia, competência funcional para conhecer novamente da matéria. Quanto mais para revisá-la, em clara afronta à determinação hierarquicamente superior”, escreveu na sentença.
“Circense encenação jurídica”
O mais importante, segundo o juiz, é que o marido da advogada foi o principal responsável pela sua prisão, pois faltou à audiência admonitória sem apresentar justificativa nem dar início ao cumprimento das penas substitutivas. Agindo assim, o executado “deu azo à gratuita degradação e perda de suas faculdades processuais”, postura idêntica seguida pela ré nesse processo, afirma o magistrado.
“Em desavisada afronta às vítimas e em derradeiro acinte ao Poder Judiciário, a ré violou a lei penal, tencionando, por meio da intimidação, que as autoridades atuantes no caso, no primeiro grau de jurisdição, recuassem. Esperava que, com tal estratégia, fosse compensado o insucesso nas instâncias superiores. Ora, improvável e inusitada seria a burla à ordem superior pelo magistrado ou pelo delegado de polícia, instaurando circense encenação jurídica que seria de pronto fulminada pela imediata ação fiscalizatória do Ministério Público Federal nos autos do processo”, decidiu o juiz Selmar Saraiva da Silva Filho.
Fonte: Jornal Jurídico