Entre os direitos e garantias fundamentais da nossa Constituição Federal de 1988, está o art. 5o, XXXV, LXXIV, que assegura o Estado por meio do Poder Judiciário, combater qualquer ameaça ou lesão de direitos e pra isso destinará assistência integral e gratuita aos que com- provarem a insuficiência de recurso, garantindo dessa forma, o acesso à justiça a todos. Vejamos:
Art. 5. omissis:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; (Grifou-se)
Nesse mesmo diapasão a Lei no. 13.105/15, especialmente nos seus art. 98 e 99 do Novo Código de Processo Civil, defi- nem as condições pelas quais a parte poderá obter os benefíci- os de gratuidade da justiça. Vejamos:
Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
Art.99. Opedidodegratuidadedajustiçapodeserformuladona petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
[…]
§ 3 o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
§ 4 o A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. (Grifou-se)
Conforme vimos acima, a Lei no. 13.105/15, especialmente no seu art. 99 consolidou a presunção da hipossuficiência da pessoa natural, bem como, fixou o entendimento que o fato da parte está assistida por advogado particular não impede a concessão da justiça gratuita.
Sabemos que o acesso à justiça se dá por meio da prestação jurisdicional, e como quase tudo na vida, os custos estão em todos os lugares, não sendo diferente na prestação jurisdicional, que apesar de ser uma atividade essencial e pública, exige, na maioria dos casos, o pagamento de despesas judiciais, honorários advocatícios, honorários periciais, multas e entre outras.
O Estado deverá garantir o acesso à justiça a todos os cidadãos, independentemente de suas classes sociais, entretanto, todos os custos com a prestação jurisdicional daquelas pessoas que não proverem de recurso, deverão ser arcados por ele.
Contudo, o liame do presente artigo é justamente para relacionar o que seria essa insuficiência de recurso, e quais critérios deverão ser adotados para a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Todavia, é importante mencionar que a referida insuficiência de recurso, prevista em nossa Carta Magna, garante a qualquer cidadão o direito à gratuidade jurisdicional, desde que comprove não ter condições de arcar com as despesas processuais sem comprometer sua subsistência e de sua família.
Nesta feita que a tão famosa reforma trabalhista (Lei fede- ral no 13.467, de 2017) que alterou a CLT, facultaram aos juízes e desembargadores concederem os benefícios da justiça gratuita sob critérios objetivos de renda. Vejamos:
Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribuna- is e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
[…]
§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requeri- mento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (Redação dada pela Lei no 13.467, de 2017)
§ 4o O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo. (Incluído pela Lei no 13.467, de 2017) (Gri- fou-se)
Data máxima vênia, a supracitada alteração legislativa, a nosso ver, foi o pontapé inicial para a fixação de critérios objetivos de renda na concessão ou não dos benefícios da justi- ça gratuita, tanto da esfera trabalhista, como fora dela. Tal legislação, facultou aos julgadores concederem os benefícios da justiça gratuita desde que a parte requerente receba um salário equivalente a 40% (quarenta por cento) do limite máxi- mo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que no ano de 2022 é de R$ 7.087,22 (sete mil, oitenta e sete reais e vinte e dois centavos) ou seja, aproximadamente R$ 2.834,88 (dois mil oitocentos e trinta e quatro reais e oitenta e oito centavos).
Após a mencionada legislação trabalhista, não é difícil encontrar algumas jurisprudências e julgamentos em nosso ordenamento pátrio que estatuem parâmetros remuneratórios dentro da média de 03 (três) salários mínimos para a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Vejamos:
RESTAURAÇÃO DE AUTOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUNTADA DAS PEÇAS ESSENCIAIS DO PROCESSO. RESTAURAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PRONTO PARA JULGAMENTO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA. AUTORA COM REMUNERAÇÃO INFERIOR A 3 (TRÊS) SALÁRIOS MÍNIMOS. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA E CONCEDER A GRATUIDADE DA JUSTIÇA. (TJPI | Restauração de Autos No 2019.0001.000138-4 | Relator: Des. Erivan José da Silva Lopes | 6a Câmara de Direito Público | Data de Julgamento: 13/02/2020).
Se a parte recebe aposentadoria em valor superior ao limite de isenção do IR e superior a três salários mínimos, não há direito à gratuidade da justiça, mormente diante da renda média do trabalhador brasileiro (TRF2, 0007488-81.2018.4.02.0000, Rel. Des.MarcelodaSilva). (Grifou-se)
Ao analisar um pedido de justiça gratuita, o julgador não deve se prender exclusivamente aos valores de remuneração do requerente, pois a insuficiência de recurso para atividade
jurisdicional é relativizada por critérios subjetivos que vão desde fatores familiares, patológicos e sociais do requerente, bem como a complexidade e o valor da causa do processo guerrilhado, pois quanto maior for o valor da causa, maiores serão as despesas processuais, honorários sucumbenciais, taxas e outros.
O simples fato de a parte ter uma renda superior a 3 (três) salários mínimos não a impede de ter direito aos benefícios da justiça gratuita, desde que comprove nos autos judiciais que sua remuneração encontra-se comprometida com outras des- pesas essenciais. Sobre o tema, o STJ diz o seguinte:
Para o deferimento da gratuidade da justiça, o juiz não pode se limitar à verificação apenas do valor da remuneração percebida pelo postulante, impondo-se “fazer o cotejo das condições econômico financeiras com as despesas correntes utilizadas para preservar o sustento próprio e o da família” (STJ, AgRg no AREsp 257.029/RS, Rel. Min. Herman Benjamin). (Grifou-se)
Diante do exposto, podemos concluir que os julgadores ao analisar um pedido de justiça gratuita, deverão primeiramente analisar a complexidade e valor da causa do processo deman- dando, pois as despesas processuais estão intrinsicamente ligadas a isso, além de todo o conjunto probatório apresentado pelo requerente que comprove que sua remuneração e suas despesas essenciais impossibilita-o de efetuar os pagamentos das mesmas sem comprometer a sua subsistência e de sua família.
Contudo, o Poder Judiciário através de seus julgadores não poderá esquivar-se de seu papel jurisdicional, muito menos ser negligente ou irresponsável, ao ponto de indeferir a justiça gratuita com intuito de evitar o aumento das demandas judiciais, muito menos, observar apenas critérios objetivos de renda, para a concessão ou não dos benefícios da justiça gratuita, pois estaria ferindo inexoravelmente o direito ao acesso à justiça, uma das premissas máximas do Estado Democrático de Direito.
Diego Leite Albuquerque
Advogado, Especialista em Advocacia Trabalhista Pública e Privada.