quinta-feira , março 28 2024

Não há consenso nos EUA sobre direito de não se incriminar na era do smartphone

Em alguns estados, policiais não podem obrigar suspeitos a desbloquear o celular

O Tribunal Superior de Indiana, nos EUA, decidiu na quarta-feira (24/6) que policiais e promotores não podem obrigar suspeitos de crimes a desbloquear seus smartphones, para fins de investigação. Isso é uma violação da Quinta Emenda da Constituição, que assegura aos réus o direito de não se incriminar.

decisão só vale para Indiana, mas coincide com decisões tomadas nos últimos anos por tribunais em outros estados, como os da Flórida, Wisconsin e Pensilvânia, que negam aos investigadores acesso a dados potencialmente incriminadores nos celulares de suspeitos. E contraria decisões tomadas em Vermont, Colorado, Virgínia e Massachusetts, que negam aos suspeitos o direito de bloquear seus smartphones e computadores, prejudicando as investigações.

As cortes estão divididas nessa questão porque os precedentes relevantes da Suprema Corte dos EUA precedem a era do smartphone – ou mesmo da informática. Elas desenvolvem teorias concorrentes, fazendo analogias à situação pré-digital — ou seja, comparam com as teorias vigentes na época em que a questão se desenvolvia em torno de cofres e cofres-fortes.

Segundo o site Ars Technica, as antigas teorias começam com a suposição de que um suspeito mantém documentos incriminatórios em um cofre atrás de um quadro na parede. Com base nessa suposição, os investigadores pedem a um juiz para obrigar o suspeito a abrir o cofre. A constitucionalidade da ordem judicial dependeria do que a polícia sabe.

Se a polícia não pode mostrar ao juiz que o suspeito sabe a combinação para abrir o cofre, talvez ele pertença a outra pessoa. Nesse caso, as cortes concordam que forçar o suspeito a abrir o cofre seria inconstitucional. O ato de abrir o cofre funcionaria como uma admissão de que o suspeito é dono do cofre e dos documentos dentro dele. E isso poderia incriminá-lo, independentemente do conteúdo dos documentos que poderiam ser encontrados no cofre.

Porém, se a polícia mostrar ao juiz que o suspeito sabe a senha para abrir o cofre e que documentos estão dentro dele — talvez porque o próprio suspeito descreveu os documentos dentro do cofre durante o interrogatório — então o suspeito pode ser forçado a abri-lo. Isso porque a Quinta Emenda garante ao réu o direito de não testemunhar contra si mesmo, mas não o de produzir documentos incriminatórios — diz essa teoria.

E se a polícia pode convencer o juiz de que o suspeito sabe a combinação para abrir o cofre, mas não que documentos ele contém? Nesse caso, não há consenso entre as cortes.

Uma teoria é a de que o simples ato de abrir o cofre é um testemunho incriminatório. Uma vez que o cofre é aberto, a polícia tem acesso aos documentos e obtém diretamente deles as informações que contêm, da mesma forma que as obteriam se os documentos estivessem na escrivaninha do suspeito. Assim, o conteúdo dos documentos não representaria testemunho compelido.

A outra teoria — a que foi adotada pelo Tribunal Superior de Indiana — afirma que é importante determinar se a polícia sabia quais documentos estava buscando. Se a polícia estiver buscando por documentos específicos, que sabe que estão no cofre, provavelmente não haverá violação do direito de não se incriminar. Porém, se a polícia não sabe que documentos poderá encontrar no cofre e quer que o suspeito o abra para ver se “pescam” alguma coisa (em uma fishing expedition, como se diz em inglês), então haverá violação do direito constitucional do suspeito.

Algumas cortes consideram esse argumento particularmente irrefutável nesta era do smartphone, por causa do volume de informações que eles contêm.

Em 2000, a Suprema Corte dos EUA tomou uma decisão não relacionada com dispositivos eletrônicos, mas que podem se aplicar a eles. A corte anulou a condenação de um réu que foi obrigado a entregar vários documentos em seu poder. Os investigadores não tinham conhecimento de que documentos eram esses, nem de seus conteúdos. Mas, no final das contas, eles serviram de provas para fundamentar as acusações contra o réu.

Em recurso, o réu alegou que o direito de não se incriminar foi violado, porque ele foi obrigado a produzir provas contra si mesmo. A Suprema Corte concordou com o argumento do réu, porque todas as vezes que ele entregou documentos aos policiais e promotores, ele estava admitindo implicitamente que esses documentos incriminatórios existiam – o que os investigadores não sabiam. Essa admissão foi um ato de testemunho protegido pela Quinta Emenda, disse a corte.

Nesta semana, o Tribunal Superior de Indiana argumentou que esse mesmo princípio se aplica, quando um suspeito é compelido a desbloquear seu smartphone. Se o fizer, o suspeito estará entregando provas contra ele, que os investigadores não sabiam que existiam – e não poderiam acessar de qualquer outra maneira.

“Mesmo assumindo que os investigadores sabiam que Katelin Seo (a ré que respondia ao processo que chegou à corte) tinha a senha para desbloquear seu smartphone, eles não demonstraram que alguns arquivos em particular existiam dentro do dispositivo e que ela possuía aqueles arquivos. O detetive que investigava o caso admitiu que estava apenas tentando ‘pescar’ alguma prova incriminatória”, diz a decisão.

Segundo essa teoria, mesmo que um suspeito coloque a senha para desbloquear seu smartphone, tudo que estará fazendo é admitir que é dono do aparelho. Mas não estará informando à polícia ou aos promotores que documentos poderão ser encontrados no dispositivo. Se os investigadores abrirem os documentos, sem saber o que estão buscando, estarão fazendo apenas uma “expedição de pesca” que viola os direitos do réu, diz essa teoria.

Fonte: Consultor Jurídico

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