A 5ª câmara de Direito Público do TJ/SP manteve multa aplicada pelo Procon à Grendene por publicidade infantil abusiva na campanha “Hello Kitty Fashion Time”. De acordo com a decisão, a campanha estimula a erotização precoce.
Na campanha, as meninas aparecem desfilando para as amigas, que mostram cartazes com os dizeres: “PODEROSA!”, “SHOW”, e “PODE!”. Ao final do vídeo, as meninas passam desfilando na rua por alguns meninos que ostentam cartazes com os dizeres: “LINDA!”, “UAU” “D+”.
Relatora, a desembargadora Maria Laura de Assis Moura Tavares destacou que as meninas comportam-se como modelos adultas, transmitindo a ideia de que o uso das sandálias da “Hello Kitty” fará com que as mesmas seja consideradas “poderosas” e que tal fato ensejara a aprovação das amigas.
Para ela, a propaganda deve ser considerada abusiva uma vez que ultrapassa a problemática do “consumo” e induz “o público alvo a um comportamento inadequado”.
“É certo que a campanha estimula uma erotização precoce, suscitando a ideia de necessidade de conquista/atração dos meninos, uma vez que, ao final do vídeo, as meninas passam por garotos que seguram cartazes contendo elogios à sua aparência física.”
De acordo com a magistrada, se é certo que os pais possuem o poder de decisão da compra, podendo obstar o desejo de consumo dos filhos, o mesmo não se pode dizer no que se refere “ao comportamento nocivo induzido pela publicidade, que foge do controle dos responsáveis pela criança”.
“Conclui-se, assim, que a referida publicidade é abusiva, nos termos do § 2° do artigo 37 do CDC, por induzir as crianças a comportamentos prejudiciais e inadequados a sua idade.”
Desta forma, a aplicação da multa em relação à campanha “Hello Kitty Fashion Time” foi mantida. O valor incialmente foi estimado em mais de R$ 3 milhões, mas a relatora determinou o recálculo para que seja observada a média mensal da receita bruta da empresa, apurada preferencialmente nos três meses anteriores à lavratura do Auto de Infração.
No mesmo processo, o Procon havia aplicado multa à empresa em razão da campanha “Guga K. Power Games”, que apresentava o produto “Papetenis” e incentivava o público a acessar o site da autora e participar de um jogo virtual de tênis com o tenista Gustavo Kuerten. No referido jogo virtual, as raquetes são substituídas pelas papetes que devem ser escolhidas pelas crianças.
A relatora, no entanto, destacou que, apesar do entendimento da magistrada de 1ª instância, não se verifica, na propaganda, discriminação de qualquer natureza ou incitação à violência. “Também não há exploração do medo ou da superstição e nem desrespeito a valores ambientais. O anúncio também não é capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”.
Para ela, a campanha realizada pela autora, a princípio, não desrespeita a criança e nem configura desleal estratégia de coação moral ao consumo ou abuso de persuasão. “Não se vislumbra no caso concreto a necessidade de tutela dos destinatários da campanha ou a punição da empresa promotora da campanha.”
O programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, que participou do caso como amicus curiae, comemora a manutenção – ainda que parcial – da decisão, por considerar que o Judiciário reconhece a relevância social do debate em torno da publicidade infantil. “Não é aceitável que empresas, com o objetivo de aumentar vendas, adultizem crianças em suas campanhas publicitárias. O comercial da Grendene reforçava a ideia de que meninas precisam se vestir de determinada maneira para serem valorizadas pela sociedade. O Judiciário, com sua decisão, reconheceu a ilegalidade desse tipo de estratégia que é abusiva por explorar a deficiência de julgamento e experiência do público infantil”, explica Ekaterine Karageorgiadis, coordenadora do programa.
Fonte: Migalhas