TJ-SP nega 88% dos Habeas Corpus motivados pela Covid-19

Em março deste ano, o CNJ editou a Recomendação 62, que contém diretrizes aos tribunais e magistrados para a a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus nos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Desde então, essa recomendação passou a constar de muitos pedidos de Habeas Corpus.

No entanto, segundo pesquisa do Insper, poucos tiveram êxito no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Natália Pires de Vasconcelos, professora do Insper, e Maíra Rocha Machado e Daniel Wang, docentes da FGV Direito SP, analisaram 6.781 decisões referentes a HCs publicadas no Diário Oficial do TJ-SP de 18 de março e 4 de maio. Ao todo, 88% deles foram negados.

Nos casos tratados na pesquisa, o Habeas Corpus foi utilizado para solicitar a mudança de regime de cumprimento de pena — o encaminhamento para a prisão domiciliar ou para os regimes semiaberto ou aberto — e sobretudo a revogação de prisão provisória — quando ainda não houve julgamento definitivo do caso.

Tanto a possibilidade de alteração de regime quanto a reavaliação de prisões provisórias, que representam cerca de um quinto do total no estado, de acordo com os dados oficiais, aparecem na relação de recomendações do CNJ.

O conselho indicou a priorização dos casos de quem pertence a grupos de risco do novo coronavírus, como idosos, pessoas com doenças respiratórias ou infectocontagiosas — a exemplo de HIV, tuberculose ou hepatite —, mães de crianças de até 12 anos ou gestantes. A recomendação também se aplicaria para pessoas presas em unidades superlotadas ou sem equipe de saúde.

Para examinar as decisões do TJ-SP, Natália, Maíra e Daniel recorreram a técnicas de análise de texto, aplicadas por meio de programação em Phython, para determinar se houve provimento ou não e se o HC era individual ou coletivo. Esses métodos de processamento de linguagem natural, a exemplo de buscas por expressões regulares, permitem trabalhar com um grande volume de textos e explorar o seu conteúdo.

De todas as decisões coletadas, 371 foram lidas integralmente para uma análise qualitativa de seu conteúdo. Quase um quarto dessa amostra (95 casos) referia-se a pessoas em grupos de risco para Covid-19. Em somente cinco, os pedidos foram deferidos.

Lapidar

Em um dos processos indeferidos, no qual era analisado o pedido de uma pessoa que não estava no grupo de risco, porém não havia cometido crime violento ou de grave ameaça, um juiz argumentou: “O vírus liberto é perigoso, e como não dá para prendê-lo, prendemo-nos nós. O traficante livre também é perigoso, mas dele podemos nos ver livres desde que o prendamos ou o mantenhamos preso, ainda que por um período que o faça refletir sobre a gravidade do que fizera”.

Na avaliação da equipe Insper/FGV, os resultados obtidos até aqui são expressivos e indicam que o Tribunal de Justiça paulista não está seguindo a orientação do CNJ para o enfrentamento da Covid-19.

O quadro assemelha-se ao verificado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. O órgão apurou que foram expedidos alvarás de soltura em 3% dos processos de pessoas cuja situação se enquadra em pontos presentes nas diretrizes do CNJ.

Não seguir as recomendações, no entanto, pode elevar a exposição à Covid-19 em um ambiente de risco. No sistema prisional, as chances de contrair doenças infecciosas podem ser até 60 vezes maiores do que fora dele. Além disso, em São Paulo, o sistema está superlotado.

Até 29 de junho, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), foram confirmados 4.530 diagnósticos de Covid-19 nas unidades prisionais do país, com 59 mortes. A subnotificação e outras falhas nos dados oficiais estão sendo sistematicamente reveladas pelo projeto Infovírus Prisões.

Nas próximas etapas do estudo, a equipe de pesquisa vai aprofundar a análise dos discursos de juízes e juízas em suas decisões. Pretende, ainda, verificar decisões tomadas depois de maio, bem como replicar o modelo de análise em outros tribunais. Com informações da assessoria de imprensa do Insper.

 

Jus brasil

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