Sistema de Regularização Fundiária por Varredura vai corrigir injustiças territoriais no Piauí

A ideia é fazer um cadastro para, por meio de minucioso levantamento, para se
saber de fato o que são terras públicas ou privadas no Piauí. A iniciativa, segundo
o advogado Flávio Almeida Martins, vai corrigir distorções e injustiças históricas. Ao
se saber quem são os reais proprietários de Terras no Piauí, haverá também uma
segurança maior até para investidores que desejam comprar ou vender
propriedades no estado. Confira a entrevista.

Direito Hoje – Poderia explicar esse projeto de Regularização Fundiária por
Varredura para o Piauí?

Flávio Almeida – É preciso trabalhar conceitos, do tempo, no espaço, para que a
gente possa definir com clareza aquilo que representa cada texto, de cada lei e a
cada momento. Na raiz da propriedade histórica, existem mistérios, como os nomes
réis, (réis de posse, cruzeiro de posse, data, terras de ausentes). A partir desses
conceitos, vamos ter um olhar histórico sob a luz atual de administração de
governança de terras públicas, que é o sistema de administração de patrimônio
territorial do estado.

DH – Consiste em pegar dados de documentos antigos para fazer uma espécie de
Cadastro?

FA – Definidos os conceitos, vamos para uma segunda etapa que é fazer os
cadastros. Temos muito material nos arquivos que estão armazenados em Portugal,
Pará, Oeiras, São Luís do Maranhão, e nas paróquias do interior do período
imperial. Essas paróquias foram os primeiros locais de Registro Público da posse
de terras no Piauí. Vale destacar que os livros paroquiais serviram como filtro. Só
poderia ser considerada terra passível de Regularização Fundiária (não era esse o
nome antigamente) se constasse nesses livros paroquiais. Se não estivessem
registradas, seriam terra devoluta, terra do império. Depois, na Constituição de
1891, as terras que pertenciam ao império passaram a pertencer aos Estados. Foi
aberto então um departamento em cada governadoria, chamado de Departamento
de Obras, Terras Públicas e Colonização do estado do Piauí e quem foi nomeado
para esse cargo foi o militar Lizandro Francisco Nogueira, que organizou o material
e estruturou uma legislação que se transformou em lei dia 4 de julho de 1898. Essa
Lei determinava a obrigatoriedade do proprietário privado de fazer o pagamento dos
valores ao Estado e registrar esses imóveis em livros que eram administrados pelo
Executivo. Assim, se saberia o que era privado e o que era público. Feito o registro,
houve a necessidade de fazer um processo de demarcação e divisão de terras
particulares, com os limites físicos das propriedades. Nesse momento, os
particulares começaram a fazer os mapas de suas terras. Estamos resgatando os
processos de demarcação do século 20. Vamos reconstituindo todo o mapa de uma
Data de Terras, (as divisões, por herança, meação e por aí vai). Com a entrada em
vigor do Código de Processo Civil Nacional, em 1940, então aconteceram grandes
demarcações no sul do estado. Esses processos se encontram na Vara Agrária,
que está providenciando a digitalização desse material. Feito o cadastro, é chegada
a hora de posicionar onde tudo está. Estamos na fase de auxiliar o Estado do Piauí
e a Corregedoria Geral de Justiça, sendo a Vice-Corregedoria o órgão que de fato
trata dessa questão. O que se precisa hoje é de governança de terras. O Estado
tem que saber o que é seu patrimônio, o que serve para cada região, o que serve
para a sociedade. Distinguir o que é público do privado. É preciso identificar essas
áreas, sabendo que a propriedade é só uma camada. Todo esse processo tem que
existir para dar a segurança jurídica, paz e harmonia para a sociedade, já que todo
mundo vai saber o que é seu de fato e de direito.

DH – Como será o desenvolvimento do Cadastro Suplementar?

FA – Estamos juntando, consolidando informações. Se a gente quer desenvolver
alguma coisa, a gente tem que ter informação acessível e um banco de dados que
se comunique possibilitando a realização de pesquisas, links entre eles. O cadastro
do IBGE, por exemplo, é uma boa ferramenta para a gente ver esse sistema de
validação. Mapas também são outras boas fontes de pesquisa. O exército tem um
bom acervo nesse sentido. Assim, vamos confirmando as origens das propriedades,
quais as localidades mais antigas, mais novas… Enfim, um material para dar um
bom apoio para pesquisadores da área de história, sociologia, direito. Juntando
todos esses cadastros que existem de todo mundo que trabalha com informação
espacial, vamos ter possibilidade de oferecer informações da propriedade, mas
sobretudo da real posse das terras, porque hoje estamos tendo um problema muito
sério no estado. O Ministério Público inclusive está solicitando ao Interpi que
respeite as comunidades tradicionais. Se a gente quiser a preservação das pessoas
que estão no campo, a gente vai ter que procurar saber quem são elas, onde estão,
onde estavam…Em um trabalho preliminar na região de Jerumenha, por exemplo,
vimos que onde está o povo não está o agronegócio, porque o agronegócio pegou
os vazios demográficos, as grandes chapadas onde não morava ninguém, lugares
onde não tem condição de o cidadão comum residir, por conta do clima quente,
chuva forte, falta de poços. É nesses platôs que se encontra o agronegócio. Vale
lembrar que a riqueza piauiense está nos chamados baixões, onde tem água,
armazenada.

DH – O importante é que esse trabalho vai corrigir injustiças…

FA – O foco é fazer esse levantamento para que a gente possa conhecer o que é de
quem, e dar a quem é de direito, de maneira simples, clara, objetiva. Vamos
parametrizar tudo, não vai ter “fulanização” nas decisões. Essa parametrização das
informações históricas vai nos dar elementos concretos para que se possa trabalhar
de maneira independente e harmônica para toda sociedade, com um fim de paz
social. Quando a gente fizer esse trabalho, que tudo estiver diagnosticado, feita toda
a varredura para ver a situação jurídica, com uma regularização fundiária plena, ai
vamos para a fase da mediação, para dar solução a possíveis conflitos
público/privado ou privado/privado. A visão jurídica, nesse momento, tem que
evoluir. Não é lutar para o cliente ganhar. O advogado, nessa fase, tem que lutar
para todos ganharem.

DH – Ao final de tudo, os reais proprietários de terras vão receber um certificado…

FA – Passada a fase de mediação, se for o caso, o real proprietário de uma terra vai
receber um certificado, que comprova sua posse. Serão seus novos documentos.
O sistema de Regularização Fundiária por Varredura vai ser bom até para quem
possui documentação legal, pois vai receber um aval forte e moderno de que sua
terra foi concedida legalmente do patrimônio público. Com isso, vamos ter a
possibilidade de certificar o que é propriedade válida que é pública e o que é
realmente privado. O certificado vai dar uma segurança maior até para investidores
que desejam comprar ou vender terras no Piauí. O Estado hoje está com uma
situação bem delicada. Tem bilhões em patrimônio imobiliário que está imobilizado,
inutilizado, porque existem indefinições. Tem território, mas… muitas áreas estão em litígio ou pertencem a pessoas que não têm condições de agir…

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