A maternidade, geralmente, é celebrada com homenagens e gestos de gratidão, mas também convida à reflexão sobre os desafios enfrentados por mulheres que exercem esse papel em uma sociedade ainda marcada por desigualdades de gênero — inclusive no acesso à justiça.
Por essa razão, ganha especial relevância a Resolução nº 592/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tornou obrigatória a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todas as demandas judiciais do país. Trata-se de um instrumento normativo que impõe ao Poder Judiciário o dever de adotar um olhar atento e sensível às desigualdades de gênero historicamente consolidadas.
Mais do que um direcionamento restrito a ações de família ou violência doméstica, o Protocolo se aplica a todas as áreas do Direito — cível, penal, trabalhista, previdenciário, empresarial — sempre que estiverem presentes relações marcadas por assimetrias de poder, estigmas, estereótipos ou contextos sociais que impactem de maneira diferenciada homens e mulheres. Julgar com perspectiva de gênero não significa criar privilégios, mas reconhecer realidades desiguais e buscar uma justiça efetivamente mais humana, justa e igualitária.
A medida representa um avanço no compromisso do Poder Judiciário com a promoção da igualdade entre homens e mulheres, reconhecendo que a neutralidade aparente das normas, quando desconsidera as desigualdades estruturais, pode invisibilizar a sobrecarga de responsabilidades que recai, de modo desproporcional – e na maioria das vezes, sobre as mulheres.
No âmbito do Direito de Família, essa mudança de postura é especialmente necessária. Quando faltam corresponsabilidade paterna e políticas públicas efetivas, as mães assumem funções que vão muito além do cuidado. Muitas vezes, elas precisam recorrer à justiça para garantir o básico, enfrentando não apenas entraves burocráticos, mas também estigmas e estereótipos que agravam sua vulnerabilidade.
E a boa notícia é que essa nova forma de julgar, comprometida com a igualdade substancial, já encontra espaço em decisões judiciais recentes, que reconhecem as especificidades do exercício da maternidade e a necessidade de adaptar procedimentos formais às realidades concretas.
Exemplo emblemático dessa evolução ocorreu no Mandado de Segurança nº 5004948-15.2024.4.04.7208/SC, julgado pela Justiça Federal de Santa Catarina. No caso, uma candidata ao Exame da OAB, após ser aprovada na primeira fase, requereu administrativamente o direito de postergar a realização da segunda etapa do certame, em razão de estar em pleno puerpério, após o nascimento de seu filho.
Diante da negativa do pedido pelo órgão de classe, a candidata impetrou mandado de segurança, obtendo decisão favorável, em sintonia com as diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Reconheceu o Poder Judiciário que o direito fundamental à maternidade não pode ser sufocado por formalismos excessivos dos editais de concurso.
Ao conceder a ordem, o magistrado ressaltou que assegurar à candidata o direito de realizar a prova prático-profissional na etapa subsequente — sem necessidade de organização de prova especial ou tratamento privilegiado — não configura benefício indevido, mas verdadeira expressão dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e respeito à dignidade da pessoa humana.
O caso reflete um avanço significativo: trata-se da concretização do compromisso do Poder Judiciário com a superação de desigualdades estruturais, na medida em que reconhece que as mulheres — especialmente as mães — não partem do mesmo ponto de largada em muitos espaços sociais e profissionais. Julgar com perspectiva de gênero não significa favorecer alguém em detrimento de outrem; mas assegurar o mínimo de justiça efetiva diante das desigualdades históricas e concretas.
Neste mês das mães, é oportuno reforçar o compromisso de toda a sociedade — e, em particular, do sistema judicial — com a promoção de uma equidade de gênero efetiva.
Que as salas de audiência sejam também espaços de escuta, acolhimento e transformação, reconhecendo e valorizando a maternidade em todas as suas formas e expressões.
Mais do que uma data comemorativa, reconhecer quem exerce o papel materno é um compromisso contínuo com o respeito, a dignidade e a promoção de condições reais de igualdade — especialmente diante dos desafios invisíveis e das sobrecargas silenciosas que tantas mães enfrentam todos os dias.
Daniela Justino Dantas Martelli é advogada especialista em família e sucessões, contratos e processo civil do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Ana Clara Borges Gonçalves é graduanda em Direito pela PUC-Campinas e estagiária na área Cível do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.