Juizados Especiais e o Dissenso Jurídico sobre a aplicabilidade ou não da contagem dos prazos processuais em dias utéis

Quem deixa para depois o que pode fazer logo, perde o que nunca mais encontrará: o tempo.

Paulo Coelho

 

O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 219, trouxe uma inovação quanto à contagem dos prazos processuais, que atualmente passam a ser contados em dias uteis. Com a novidade, surgiram várias discussões sobre a aplicação do citado dispositivo ao procedimento dos Juizados Especiais.

A ministra Nancy Andrighi logo se pronunciou sobre a não aplicação da contagem dos prazos em dias úteis aos processos em trâmite nos Juizados Especiais, pois a nova regra de contagem de prazos do Código de Processo Civil de 2015 atenta contra os princípios fundamentais do sistema, como a simplicidade, a economia processual, e, sobretudo, a celeridade.

Em defesa da razoável duração desses processos, Nancy Andrighi manifestou seu total apoio à Nota Técnica 01/2016 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje). O documento pede a inaplicabilidade do artigo 219 do novo CPC aos Juizados Especiais, e posteriormente se tornou o enunciado nº 165, aprovado em 01.07.2016, no FONAJE XXXIX Encontro-Maceió-Al.

Entretanto, há entendimento da Escola Nacional de Aperfeiçoamento de Magistrado (ENFAM) de que, apesar de não terem caráter vinculante, os enunciados já poderiam indicar uma possível interpretação da jurisprudência sobre o tema, entendimentos esses que admitem a aplicação do art. 219 aos procedimentos em tramitação perante os Juizados Especiais. O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) segue a mesma interpretação, senão vejamos:

 

Enunciado nº 45 – “A contagem dos prazos em dias úteis (art. 219 do CPC/2015) aplica-se ao sistema de juizados especiais” –, aprovado durante a realização do seminário “O Poder judiciário e o novo CPC”, realizado no período de 26 a 28 de agosto de 2015.

Enunciado nº 416, FPPC: A contagem do prazo processual em dias úteis prevista no art. 219 aplica-se aos Juizados Especiais Cíveis, Federais e da Fazenda Pública. (Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da Fazenda Pública).”

 

Não obstante, desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), há um dissenso na comunidade jurídica sobre a aplicação do artigo 219, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, que é regido pela lei nº 9.099/1995 e que é regida pelos princípios principalmente da celeridade e simplicidade.

Os entendimentos diversos sobre a aplicação ou não dos prazos em dias úteis aos prazos processuais em trâmite nos Juizados Especiais está na base dos fenômenos de insegurança jurídica e imprevisibilidade que tanto mal fazem ao nosso sistema de Justiça e vêm causando prejuízos aos jurisdicionados e problemas ao funcionamento de escritórios de advocacia, bem como aos membros da advocacia pública, com a imposição da responsabilidade de controle de dois regimes diversos na contagem de prazos: um em dias corridos, para os processos dos juizados, e outro em dias úteis, para os processos da Justiça comum. É preciso evoluir para soluções uniformes, não discricionárias, padronizar o entendimento acerca de temas de relevância prática e eliminar as incertezas que decorrem da consideração de que cada magistrado (ou juízo, ou colégio recursal) é livre para impor o seu próprio modelo de contagem de prazos.

É cediço que a Lei nº 9.099/1995, foi criada com o intuito primordial de desburocratizar o acesso da população ao Poder Judiciário. Basta uma simples leitura da mesma para se entender que suas principais características são: solucionar os conflitos de menor complexidade, incentivar a conciliação entre as partes, pautar processos desprovidos de formalidades tornando opcional a contratação de advogados nas ações cuja pretensão econômica seja menor ou até 20 (vinte) salários mínimos, promover a gratuidade da justiça no primeiro grau de jurisdição e também a de não tornar aplicável o instituto da preclusão às decisões interlocutórias anteriores a sentença.

Sem dúvidas, o procedimento da Lei nº 9.099/95 inovou o ordenamento jurídico brasileiro, pois trouxe oralidade, simplicidade, economia processual, informalidade e celeridade às demandas, conforme preleciona seu artigo 2º.

Em um breve comparativo com as demais leis que regem os Juizados Especiais  Federais Lei nº 10.259/2001 e os Juizados da Fazenda Pública Lei nº 12.153/2009, observa-se que na Fazenda Pública, na mesma ocasião do Fonaje nº 165 aprovado em 01.06.2017, aprovou o enunciado nº 13, afastando o prazo em dobro das demandas submetidas à citada lei, já a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais já havia alterado seu regimento interno para prever que na contagem de prazos em dias serão computados somente os dias úteis (art.6º).

Desta forma, observa-se que, em defesa da duração razoável do processo em trâmite no microssistema dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis, ficou estabelecido no FONAJE nº 165 XXXIX Encontro-Maceió-Al, qualquer regra processual contrária à Lei nº 9099/95 atenta contra os princípios fundamentais que os regem, como a simplicidade, a economia processual, e, sobretudo, a celeridade, portanto, todos os prazos serão contados de forma contínua.

Entretanto, nos dias 24 e 25 de agosto, sob a coordenação-geral do ministro Mauro Campbell Marques e coordenação científica geral do ministro Raul Araújo, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional da Justiça Federal, realizaram a I Jornada de Direito Processual Civil, quando houve a apreciação do enunciado proposto, dentre outros, pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), que tinha o propósito de expressar que, no âmbito dos juizados especiais, os prazos processuais devem ser contatos em dias úteis, em respeito à regra do artigo 219 do CPC.

Assim, em respeito ao princípio da legalidade (artigo 5º, II, da CF), naturalmente não é possível utilizar a forma de contagem em dias corridos, em detrimento do texto claro, expresso, previsto no código em vigor (artigo 219 da Lei Federal 13.105, de 2015), que estabelece que no cômputo do prazo devem ser considerados apenas os dias úteis.

Nem mesmo a invocação do princípio da celeridade (artigo 2º da Lei 9.099/95) para afastar a regra do artigo 219 do CPC nos juizados especiais é justificável, porque a alegação de que a contagem de prazos em dias úteis produz morosidade carece de comprovação por dados empíricos. Outrossim, a celeridade não pode ser critério normativo para invalidar a legalidade, isonomia e a segurança jurídica que impõem a observância do critério de dias úteis para contagem de prazo, tal qual estabelece a lei federal.

Na oportunidade, com a união das ideias dos participantes condensadas pelos coordenadores da comissão, ficou aprovado que: “O prazo em dias úteis, previsto no art. 219 do CPC/2015, aplica-se também aos procedimentos regidos pelas Leis n.º 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009”.

Logo, a tendência natural é que, após a edição desse enunciado no CJF, o FONAJE venha a revogar ou alterar a redação do Enunciado 165, adequando-o ao entendimento que já era verificado no ENFAM e no FONAJEF, no sentido da aplicação da contagem em dias úteis e forçando, ainda, pelo poder persuasivo, os magistrados estaduais a reverem seus posicionamentos e respeitarem as disposições do CPC/2015.

 

Referências

 

Associação dos Magistrados Brasileiros. Brasília. Disponível em: http://www.amb.com.br/

Acesso em 10 set. 2016.

BRASIL. Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 6 de mar. 2015. Disponível em: https://jota.info/colunas/coluna-cpc-nos-tribunais/prazos-em-dias-uteis-nos-juizados-especiais-13102017

Acesso em: 10 set. 2016.

CONJUR: disponível em: https://www.conjur. com.br

Acesso em: 29 set. 2017.

Donizetti, Elpidio. Curso Didático de Direito Processual Civil, 20 ed., Rev. Atual. e Ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

Lia Rachel de Sousa Pereira Santos é advogada, OAB/PI 7.317; Formada em Ciência da Computação pela UESPI, em 2004, Especialista em Sistema de informação para web, em 2006; Formada em Direito pela Aespi, desde 2009; Especialista em Direito e Processo Penal  pela UCDB, em 2008, Especialista em Responsabilidade Civil pela Universidade de Lisboa, em 2013; Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Uniderp, em 2016; Professora de Direito de Família e Sucessões da Faculdade Cet (2014-2016) e professora de Processos de Família na Escola Judiciária-Ejud (2014-2016). Advogada militante nas áreas Cíveis, trabalhista, previdenciária e consumidor.

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