No ordenamento jurídico brasileiro, os direitos da criança e do adolescente são objeto de extensa tutela, cuja proteção é entendida como um dever da família, da sociedade e do Estado, nos termos do art. 227, da CF/88 e seguintes, bem como à luz da Lei de no 8.069/90 (Estatuto da Criança e Adolescente – ECA).
O propósito é proporcionar a proteção e assistência integral ao menor, preocupando-se, por exemplo, não apenas com o respeito à vida e à saúde, ou com o acesso à educação e à cultura, mas, ainda, com a promoção da dignidade, com o direito à convivência familiar e comunitária e com o direito ao cuidado. Nesse diapasão, entra em cena o princípio do melhor interesse do menor, sendo orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador do Direito.
No entanto, na prática, o melhor interesse do menor nem sempre prevalece, havendo discordâncias, em sede jurisprudencial, acerca dos meios possíveis para tal reparação. Desse modo, considerando que tal princípio é fundamento basilar e explícito em diversas decisões envolvendo alienação parental e abandono afetivo, busca-se estabelecer, à luz dos institutos supracitados, as principais divergências identificáveis no uso do citado princípio, questionando-se até que ponto o judiciário tem sido efetivo na sua pretensão de tutela.
Acerca da alienação parental – ou da implantação das memórias falsas -, esta vem ganhando destaque no meio doutrinário e jurisprudencial no Brasil. De acordo com o entendimento de Maria Berenice Dias, essa prática vem sendo utilizada de forma irresponsável, nos últimos anos, em que o genitor alienador, motivado geralmente por sentimentos de vingança pelo seu ex- cônjuge, faz uma verdadeira lavagem cerebral no filho, implantando visões negativas sobre o pai alienado, criando uma contradição de sentimentos no filho que leva ao rompimento do vínculo com seu outro genitor.
O psiquiatra Richard Gardner, em 1985, propôs o termo Síndrome da Alienação Parental (SAP) para tais casos. Essa influência gera ansiedade no menor e o leva a odiar o pai alienado, o afastando ainda mais de seu meio familiar. Para tanto, em 26 de agosto de 2010, foi promulgada a Lei 12.318, que visa, além de combater a prática, proteger o menor alienado em suas esferas familiar e psíquica.No tocante à “teoria do desamor”, também conhecida como tese do abandono paterno-filial ou abandono afetivo, esta possui definição e trato jurídico apenas no âmbito jurisprudencial, sem legislação que a abarque.
Contudo, por essa escassa proteção, aliada a uma cadeia instável de entendimento jurisprudencial acerca do tema, o menor abandonado acaba por ser relegado a uma situação de desamparo e é suprimido de seus direitos a uma convivência familiar, à afetividade, de modo deliberado e sem uma reparação definida.
A exemplo disso, revertendo em grau de recurso o julgado do Tribunal de Alçada Civil de Minas Gerais (TAMG, Apelação Cível 408.555-5, 7.a Câmara de Direito Privado, decisão 01.04.2004, Rel. Unias Silva, v.u), que condenou o pai a pagar indenização por abandonar afetivamente seu filho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ, REsp 757.411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves. Brasília) entendeu que o pai não tem a obrigação de conviver com o filho, logo não haveria ato ilícito e dever de indenizar por danos morais. Posteriormente, em 2012, o Informativo n. 496 do STJ, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, voltou a considerar a admissibilidade do conceito de dano moral no Direito de Família, determinando que é dever da família, com absoluta prioridade, promover o bem-estar e o desenvolvimento adequado da criança e do adolescente.
Nesse julga- do, a Ministra consagrou a emblemática frase “amar é faculdade, cuidar é dever”, que se espalhou pelo meio jurídico.
Nesse cenário, é evidente que a Alienação Parental goza de uma proteção jurídica muito maior do que o Abandono Afetivo, sendo que neste os prejuízos são tão fortes, senão mais fortes, do que naquela. Na Alienação Parental, em que pese a manipulação mental da criança para um abalo na sua relação com um dos genitores, não há, de fato, um desprezo deliberado, indiferença ou desamor do genitor para com o filho, como ocorre no Abandono Afetivo.
É imprescindível, pois, que o Abandono Afetivo, em particular, seja encarado como presumidamente danoso, dispensando-se a necessidade de um esforço probatório exaustivo, e tornando o direito à indenização imprescritível, já que os danos sofridos ainda na infância ou na adolescência irão reverberar por toda a vida do indivíduo. Ademais, torna-se clara a necessidade de uma legislação específica para disciplinar o tema, que é tão delicado e extenso, fazendo jus a um tratamento processual análogo ao de Alienação Parental, haja vista as consequências semelhantes.
Ana Cândida Fonseca
Graduanda em Direito na Universidade Federal do Piauí.
Marcos Henrique Pereira
Graduando em Direito na Universidade Federal do Piauí
Virna Valiante
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Piauí