A expressão “a vida imita a arte” nunca fez tanto sentido. Um capítulo recente da novela Vale Tudo trouxe à tona uma questão antiga, mas ainda muito atual: a pensão alimentícia. A cena, que mostrava uma disputa judicial sobre o benefício, teve um impacto imediato fora das telas.
Segundo a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o aplicativo oficial da instituição registrou 4.560 acessos por minuto durante o horário nobre da TV Globo. O número mostra como temas tratados na ficção ainda têm grande poder de mobilização social.
Para a professora Viviane Alves De Morais, da ESPM, o episódio demonstra a força da dramaturgia como gatilho para discussões públicas sobre direitos fundamentais.
“Apesar de ser um tema recorrente e de existirem serviços gratuitos, como os oferecidos por advogados conveniados à Defensoria Pública, ainda falta informação. Muitos responsáveis por crianças e adolescentes não sabem a quem recorrer ou desconhecem os direitos básicos dos menores. O uso do aplicativo como porta de entrada é interessante e aproxima a população de um atendimento essencial.”
Pensão alimentícia é um direito previsto em lei
A pensão alimentícia é um direito previsto em lei e busca garantir o sustento de quem não tem condições próprias de sobrevivência — principalmente crianças, adolescentes, universitários e pessoas com deficiência.
O valor pode ser solicitado desde a gestação, no caso dos chamados “alimentos gravídicos”, e vai além da alimentação, como explica a professora:
“A pensão pode ser pedida entre cônjuges e parentes, conforme o artigo 1.694 do Código Civil. Em casos de ex-cônjuges ou ex-companheiros, ela geralmente cobre o período necessário para que a pessoa reorganize sua vida, sendo fixada por até dois anos. No entanto, se houver dedicação prolongada à família que impeça a recolocação no mercado, o juiz pode determinar um valor mais duradouro.”
O Estatuto do Idoso também reforça a obrigação de parentes fornecerem alimentos a idosos, ampliando a proteção já prevista no Código Civil. Em situações excepcionais, até avós podem ser obrigados a pagar pensão aos netos.
Como é feita a solicitação?
A solicitação pode começar com um acordo extrajudicial, mediado por um defensor público. Nessa audiência de conciliação, as partes tentam chegar a um consenso sobre valores e obrigações.
“Muito se fala nos ‘30% dos rendimentos’, mas isso é apenas uma referência. O juiz considera a necessidade de quem recebe e a capacidade de quem paga. Em alguns casos, o valor pode ser menor, ou calculado com base na média de rendimentos, quando o alimentante tem renda variável.”
Se o acordo não for cumprido, a decisão judicial tem força de lei — e o descumprimento pode levar à prisão civil.
A professora destaca ainda que o direito à pensão começa no ventre materno. No entanto, muitas mães não entram com o pedido judicial, o que compromete o recebimento retroativo dos valores.
“Mesmo que a criança tenha direito, o responsável precisa fazer a solicitação formal. A pensão só pode ser cobrada a partir do momento em que o pai é citado no processo. O que veio antes, infelizmente, não pode ser exigido.”
A cena da novela mostra que a televisão, mais do que entretenimento, continua sendo um instrumento de conscientização social. Neste caso, trouxe de volta à pauta um direito que impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros.