A Reforma da Previdência Social, realizada por meio da Emenda Constitucional 103/2019, trouxe modificações aos regimes de previdência social brasileiros. Esse processo reformista teve um amplo impacto social no sistema previdenciário do país, considerando as implicações financeiras relacionadas à concessão de benefícios e à fiscalização como política pública previdenciária.
Um aspecto de extrema importância social é a situação das pessoas incapacitadas para o trabalho devido a diversos fatores previstos na legislação que rege o sistema.
Historicamente, esse tema tem sido debatido a cada dez anos no Brasil. Algumas propostas foram arquivadas devido à sua impopularidade extrema, enquanto outras resultaram em minirreformas com efeitos de curto prazo.
Na década de 1990, já se previa que o envelhecimento da população brasileira nos próximos 20 anos tornaria insustentável o atual sistema previdenciário, e isso tem se confirmado nos últimos anos, com o déficit aumentando anualmente.
Dentre as modificações implementadas, criou-se uma idade mínima para aposentadoria urbana, estabelecendo 62 anos para mulheres e 65 para homens. Foram criadas cinco regras de transição, sendo quatro exclusivas para trabalhadores do setor privado já inseridos no mercado, uma específica para servidores e uma regra comum para todos.
Parte dessas regras terá validade por até 14 anos após a aprovação da reforma. A regra da aposentadoria por idade (com 15 anos de contribuição para ambos os sexos) será mantida para todos que já trabalham no mercado. Segundo o texto, o segurado poderá sempre optar pela forma mais vantajosa.
Além disso, a reforma estabelece que o beneficiário receberá 100% do maior valor do benefício, acrescido de um percentual da soma dos demais. Esse percentual será de 80% para benefícios de até um salário mínimo, 60% para um a dois salários mínimos, 40% entre dois e três salários mínimos, 20% entre três e quatro salários mínimos, e 10% para benefícios acima de quatro salários mínimos.
A reforma também restringiu o acúmulo de pensões previstas em lei, como médicos, professores e pensões do próprio regime ou das Forças Armadas com o regime geral. A Câmara dos Deputados incluiu nessa previsão valores recebidos a título de indenização por anistias políticas, que podem ser acrescidos a outros benefícios.
É importante destacar as críticas à reforma da previdência, como apontado por Silva (2017), que argumenta que o sistema previdenciário público no Brasil é responsável por reduzir significativamente a pobreza na velhice. Embora correções sejam necessárias, especialmente no que diz respeito às pensões dos funcionários públicos, uma mudança radical para um modelo de capitalização pode ter efeitos distributivos importantes, aumentando a pobreza.
Além disso, é necessário compreender o déficit fiscal do Brasil no contexto da maior crise da história recente do país, onde medidas de austeridade desempenharam um papel importante. A previdência social não tem relação direta com quedas bruscas de renda causadas por crises, aumento do desemprego e informalidade. Para um ajuste fiscal saudável, é fundamental o retorno a cenários normais de crescimento e aumento do emprego. Portanto, além do impacto distributivo, é preciso considerar também o impacto das medidas de ajuste fiscal no crescimento econômico. Nesse sentido, reformas previdenciárias equilibradas que visem à redução de privilégios podem trazer uma importante contribuição fiscal a médio prazo, mas não representam uma solução de curto prazo para a economia brasileira.
Cassar (2017) argumenta que o mercado espera que os brasileiros trabalhem mais e recebam menos com a previdência governamental. Embora a economia do Brasil esteja melhorando e seja recebida com satisfação pelos investidores, os políticos podem sentir que estão saindo de uma longa recessão. Nesse sentido, questiona-se o incentivo que os políticos teriam para cortar seus próprios benefícios novamente, a menos que haja uma crise econômica iminente. Um dos pontos da reforma é elevar a idade de aposentadoria para 65 anos tanto para homens quanto para mulheres e exigir que os funcionários públicos trabalhem por 40 anos para receber a pensão completa, com um acréscimo de 10 anos para mulheres e 5 anos para homens. Os críticos afirmam que os trabalhadores das regiões mais pobres, onde a expectativa de vida não ultrapassa os 65 anos, não terão sequer a oportunidade de usufruir da aposentadoria.
Além disso, segundo Serau Junior (2019), a introdução do sistema de “gatilho etário” na reforma cria uma regra constitucional que gera insegurança jurídica, considerando que é uma regra com lacunas e propensa a ser bastante variável, sem estabilidade. Isso afetará o planejamento previdenciário de todos os envolvidos, uma vez que não se pode saber qual regra será aplicada no contexto concreto, nem qual idade será efetivamente exigida. Essa regra certamente trará muitos transtornos para empresas e segurados, além de levantar questionamentos sobre sua constitucionalidade com base nos princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
Outro ponto importante trazido pela Emenda Constitucional é a implementação de um regime de capitalização pura no Direito Previdenciário brasileiro. O artigo 201-A prevê a instituição de um novo regime de previdência social, baseado em um sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida, de caráter obrigatório para os aderentes, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e a constituição de uma reserva individual para o pagamento do benefício. É vedado qualquer uso compulsório dos recursos.
Embora a proposta de implementação de um regime de capitalização no sistema previdenciário possa trazer alguns benefícios, como a possibilidade de acumulação de recursos individuais ao longo da vida laboral, também há preocupações e desafios significativos a serem considerados.
Um dos principais problemas com o regime de capitalização é a incerteza em relação aos retornos dos investimentos. O desempenho dos mercados financeiros pode variar ao longo do tempo, e os trabalhadores que dependem exclusivamente de suas contribuições individuais podem ficar vulneráveis a flutuações e crises econômicas. Isso pode levar a situações em que os benefícios pagos sejam insuficientes para garantir uma aposentadoria digna, especialmente para aqueles com rendas mais baixas ou que enfrentaram dificuldades financeiras ao longo de suas vidas.
Além disso, a transição de um regime de repartição para um regime de capitalização pode ser complexa e custosa. Seria necessário estabelecer regras claras sobre como seria feita a migração dos trabalhadores para o novo sistema, garantindo que aqueles que já contribuíram para o sistema atual não sejam prejudicados. Também seria necessário criar uma infraestrutura adequada para administrar as contas individuais, o que exigiria investimentos consideráveis em tecnologia e pessoal.
Outra preocupação é o impacto social e distributivo da transição para um sistema de capitalização. Aqueles que já estão próximos da aposentadoria ou que dependem atualmente dos benefícios da previdência social podem sofrer grandes mudanças em suas expectativas e planejamento financeiro. Também é importante considerar que trabalhadores com salários mais baixos podem ter dificuldades para acumular recursos suficientes ao longo de suas carreiras para garantir uma aposentadoria adequada, enquanto aqueles com rendas mais altas teriam mais capacidade de contribuir e acumular maiores reservas.
Portanto, a implementação de um regime de capitalização no sistema previdenciário brasileiro requer uma análise cuidadosa de seus potenciais impactos econômicos e sociais. É importante considerar alternativas e ajustes que possam fortalecer o sistema atual, como a redução de privilégios, o combate à sonegação fiscal, o aumento da formalização do trabalho e a busca por medidas que garantam a sustentabilidade do sistema no longo prazo, sem comprometer a proteção social dos trabalhadores.
Francisco Luciê Viana Filho
Advogado Previdenciário em Teresina – Piauí