Denunciado por corrupção, prevaricação, violação do sigilo funcional e lavagem de dinheiro em 2016, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha foi condenado, dois anos depois, a 24 anos e dez meses de prisão. Em março de 2020, a prisão preventiva foi convertida em prisão domiciliar.
O processo era resultado das investigações da Operação Sépsis, desdobramento das ações da Lava Jato para apurar um esquema de desvios na Caixa Econômica Federal. Fazia referência a uma infecção generalizada.
O ex-deputado Henrique Eduardo Alves também seria condenado, a oito anos de prisão, no mesmo processo, por lavagem de dinheiro.
Em dezembro de 2021, a sentença foi anulada pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Brasília. Cinco anos após o recebimento da denúncia, alguém da corte brasiliense percebeu que o caso deveria, na verdade, tramitar na Justiça Eleitoral, já que parte da acusação se referia a supostos crimes eleitorais.
A investigação constatou pagamentos, feito por uma construtora, no exterior, e contas abertas na Suíça. Mas o argumento final, usado pelo relator do caso no TRF-1, desembargador Ney Bello, é que a sentença deveria ser anulada e enviada para a Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte, onde deveria começar tudo de novo.
Argumento parecido foi usado nos processos que levaram à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Alvo da Lava Jato, o petista foi julgado e condenado pela 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba no caso do tríplex e viu a sentença confirmada pelo TRF-4, com sede em Porto Alegre. Ficou 580 dias preso e, pela lei da Ficha Limpa, foi impedido de disputar as eleições presidenciais em 2018.
Em novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal entendeu que condenados em segunda instância poderiam recorrer em liberdade até que a sentença transite em julgado. Lula foi solto e, pouco depois, viu as condenações serem anuladas pelo STF. A corte levou todo aquele tempo para perceber que não havia conexão entre os crimes apontados pelo Ministério Público e a Petrobras, alvo das investigações baseadas em Curitiba.
O juiz responsável pela condenação na primeira instância, um tal de Sergio Moro, foi declarado imparcial para julgar os processos –o que anulou de vez todas as sentenças proferidas por ele contra o petista. Nesta semana o MPF pediu o encerramento do caso por prescrição.
Tanto em um processo como em outro, chama a atenção não a legitimidade da justificativa (o julgamento em Curitiba de quem morou e atuou quase a vida toda entre São Paulo e Brasília já soava estranho desde o começo). O que chama a atenção é o tempo levado pelas instâncias superiores perceberem o erro.
Nos últimos cinco anos, pessoas foram presas, famílias impactadas, trabalhos foram interrompidos, investimentos suspensos, eleições tiveram o curso alterado, custos processuais foram despendidos. Tudo para alguém concluir, depois de tanto tempo, que nada daquilo aconteceu e, se aconteceu, com ele não morreu.
Como mostrou um levantamento do jornal O Globo, a prateleira de políticos que colecionam vitórias recentes na Justiça contra a Lava Jato vai de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente da Câmara, a Michel Temer, passando por Aécio Neves, Ciro Nogueira, Moreira Franco e os já citados Eduardo Cunha e Lula.
Nos casos acima, até malas de dinheiro foram interceptadas em ações policiais. Daqui a alguns anos alguém vai dizer que não eram dinheiro para o crime, mas para a campanha do agasalho.
A onda de revezes já anima até mesmo o ex-governador do Rio Sergio Cabral, que teve anuladas no STF as sentenças proferidas pelo juiz Marcelo Bretas no curso da Operação Fratura Exposta, que investigou desvios na Secretaria da Saúde fluminense. Os ministros da Segunda Turma do Supremo disseram não ver conexão entre os crimes apurados e a operação na secretaria de Obras que haviam levado Cabral ao centro das suspeitas. Pela decisão, até o bloqueio de bens dos investigados foi revertido.
Na disputa pela narrativa, venceu a conversa de que as operações policiais que atingiram empresários e a nata da política nacional na virada da última década foram só um grande truque para criminalizar a classe política. As viagens, deslocamentos, apurações, usos de equipamentos de inteligência e flagrantes não passaram de delírio.
A onda de reversões não beneficia apenas os políticos dos grandes partidos. O antigo baixo clero também tem razão para sorrir aliviado.
O senador Flávio Bolsonaro, por exemplo, tem obtido uma série de vitórias no caso das rachadinhas. Fabrício Queiróz, seu ex-faz-tudo enroscado na Justiça –e que meses atrás dizia estar prestes a ser enterrado por um foguete do Ministério Público– já circula, dá entrevistas e posa para selfies como estrela em eventos abertos.
Sem estrondo ou gemido, a Justiça praticamente sepultou o que anos atrás levou uma multidão às ruas para celebrar o novo dia de um novo tempo que começou (risos). Desta vez nem uma única faixa contra tudo isso que está aí desfila pela Avenida Paulista aos domingos.
Em termos técnicos, tomados por juridiquês, a sentença da Justiça sobre a terra arrasada deixada como legado da Lava Jato é um meme expresso em outras palavras: “não sei o que aconteceu; se aconteceu, eu não tô sabendo”.
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