quinta-feira , março 28 2024

Toffoli não reconhece direito ao esquecimento na área cível

“Não cabe ao Judiciário criar um suposto direito ao esquecimento”, disse Toffoli na tarde de hoje. O ministro reconheceu o direito da Rede Globo de reproduzir o trágico caso de Aída Curi.

Para o ministro Dias Toffoli, não é aplicável o direito ao esquecimento na esfera civil quando invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares. O entendimento foi proferido na tarde desta quinta-feira, 4, durante a sessão plenária do STF sobre o sensível tema.

Toffoli afirmou que a previsão ou a aplicação de um direito ao esquecimento afronta a liberdade de expressão e que não cabe ao Judiciário criar um suposto direito ao esquecimento. O ministro propôs a seguinte tese:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento. Assim entendido como poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação sociais analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício de liberdade de expressão devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente naqueles relativos à proteção da honra, imagem, privacidade e da personalidade em geral e também as expressas e específicas previsões legais penal e civil.”

Entenda o caso

Os irmãos de Aida Curi ajuizaram ação de reparação contra a TV Globo após a história do conhecido crime ser apresentada no programa Linha Direta, com a divulgação do nome da vítima e de fotos reais. A tragédia aconteceu em 1958, já o programa foi exibido nos anos 2000, sem autorização da família.

Nos Tribunais Superiores, o caso teve origem em julgamento no STJ, capitaneado pelo voto do ministro Luis Felipe Salomão, reconhecendo o direito ao esquecimento, embora afastando-o no caso concreto.

Mesmo reconhecendo que a reportagem trouxe de volta antigos sentimentos de angústia, revolta e dor diante do crime, que aconteceu quase 60 anos atrás, a turma entendeu que o tempo, que se encarregou de tirar o caso da memória do povo, também fez o trabalho de abrandar seus efeitos sobre a honra e a dignidade dos familiares.

O tema ganhou amplitude nos últimos anos, como se nota pela sintética linha do tempo que destaca relevantes decisões sobre a matéria:

Relator

Dias Toffoli abriu seu voto na tarde de hoje citando o “caso Gonzáles”, da Espanha, no qual o Tribunal da União Europeia mandou o Google desindexar informações de um cidadão espanhol, que alegou ter sua privacidade exposta com uma matéria de jornal sobre dívidas de seguridade social.

Naquele julgamento, o Tribunal de Justiça da União Europeia não utilizou a expressão “direito ao esquecimento” para designar o direito que consagrava o cidadão Gonzáles, mas definiu que o tratamento de dados, mesmo lícito em sua origem, poderia se tornar incompatível com o tempo, quando esses dados não fossem mais necessários para atender as finalidades para que foram recolhidos ou tratados.

“Há diferentes direitos ou figuras jurídicas que se reconduzem à nomenclatura mais ou menos genérica, como (i) direito ao esquecimento, (ii) direito a ser esquecido, (iii) direito à desindexação, (iv) direito a apagar dados, (v) direito a ser deixado em paz.”

O relator frisou que a conclusão deste julgamento não pode ser generalizada para outras áreas do ordenamento jurídico que já possuem regras específicas ou que tenham já regras próprias de tratamento informacional, tais como a LGPD ou o Marco Civil da Internet“É preciso delimitar o seu alcance”, disse.

Para delimitar o alcance, Dias Toffoli ressaltou alguns elementos essenciais ao direito ao esquecimento:

  • Licitude da informação: é preciso desconsiderar as informações inverídicas.

O que se invoca com o direito ao esquecimento é a proteção jurídica para impedir a divulgação de dados verdadeiros, licitamente obtidos.”

  • Decurso do tempo: utilização temporalmente distante da ocorrência do fato, se torna descontextualizado.

Assim, o ministro Toffoli elaborou uma definição do que é o direito ao esquecimento, sob seu entendimento: “pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas tradicionais ou virtuais, de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos, mas que em razão da passagem do tempo, teriam se tornado descontextualizados”.

Dias Toffoli salientou a inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de um direito genérico com essa conformação – direito ao esquecimento. O que existe, segundo o relator, são expressas e pontuais previsões, em que se admite, sob condições específicas, o decurso do tempo como razão para supressão de dados ou informações, “mas tudo já positivado”.

O ministro frisou que informações divulgadas de interesse públicos pressupõem licitude e licitude implica respeito aos direitos de personalidade. De acordo com o relator, a Justiça Brasileira já tem consagrado a proteção à privacidade, nome, honra e imagem sem fazer qualquer menção ao aspecto temporal. “Os direitos fundamentais de personalidade encontram guarida constitucional e legal, que não dependem do direito ao esquecimento”, afirmou.

Quanto aos dados e informações encontrados na internet, o ministro observou que o legislador foi explícito nos termos do tratamento de dados, mas foi propositadamente silente em não reconhecer o direito ao esquecimento na LGPD.

“A legislação pretendeu cercar os dados de ampla proteção, viabilizando meios para eventuais correções que se façam necessárias, mas em nenhuma delas trouxe um direito ao indivíduo de se opor a publicações nas quais dados licitamente obtidos e tratados tenham constado.”

Na 2ª parte da sessão, Toffoli enfatizou a importância da liberdade de expressão e informação para a Democracia e afirmou que este princípio é um dos grandes legados da CF/88.

“A CF de 1988, em diversos momentos, refere-se à liberdade de expressão bem como a liberdade de informação.”

Toffoli ponderou que em temas sensíveis como o presente caso, deve-se priorizar a harmonização dos princípios constitucionais – liberdade de expressão e privacidade/proteção de dados – e não a exclusão de um ou outro. “Deve-se priorizar o complemento da informação em vez de sua exclusão; retificação de um dado, em vez de sua ocultação”, disse.

Para o ministro, a restrição à divulgação de informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado tratamento dos dados inseridos, precisa estar previsto estar em lei, de modo pontual, clarividente e sem a lei anular a liberdade de expressão.

Não cabe ao Judiciário criar um suposto direito ao esquecimento. Admitir o direito ao esquecimento seria uma restrição excessiva e peremptória às liberdades de expressão e manifestação”.

No caso concreto, Toffoli afirmou que, embora o caso concreto constitua tragédia familiar, os fatos são verídicos, compõe o rol dos casos notórios de violência e foram licitamente obtidos à época de sua ocorrência, não tendo o decurso do tempo tornado ilícito a re-divulgação do fato. Para o ministro, não houve divulgação desonrosa dos fatos.

“Para a família da vítima, uma exibição encenada do crime, será sempre dolorosa, mas do ponto de vista jurídico, não há afronta à imagem licitamente obtida em formato de novela ou documentário.”

Processo: RE 1.010.606

Migalhas

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