TJ-RJ aplica advertência a juiz que se apropriou de estátua de Dom Quixote

Magistrado não pode usar bens públicos para fins privados sem autorização. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria, condenou nesta segunda-feira (27/9) o juiz João Carlos de Souza Correa à pena de advertência.

Os desembargadores concluíram que Correa se apropriou de uma estátua do personagem Dom Quixote, do livro homônimo do escritor espanhol Miguel de Cervantes, que pertence ao fórum de Búzios, no litoral do Rio. O item foi doado ao fórum pelo escultor Carlos Sisternas Assumpção.

O advogado Alexandre Flexa argumentou que Correa tinha uma estátua de Dom Quixote, feita por um artista argentino, e não Assumpção. Em 2017, cinco anos após deixar a comarca de Búzios, pediu que lhe fosse enviado o artefato para seu novo gabinete, em Campo Grande, zona oeste do Rio. Dessa maneira, a estátua que recebeu era dele mesmo, e não de propriedade do TJ-RJ. Ainda que fosse, não teria havido apropriação do bem, uma vez que ele permaneceu em estabelecimento da corte – o fórum de Campo Grande, disse o advogado.

O relator do caso, desembargador Nagib Slaibi Filho, apontou que há duas estátuas. Uma, que foi dada pelo artista argentino a João Carlos Correa, em 2004, retrata Dom Quixote montado em um cavalo. A outra, doada por Carlos Sisternas Assumpção ao fórum de Búzios em 2013, ilustra o personagem em pé e tem cerca de 1,80m de altura.

Para o relator, Correa, por equívoco, pediu o envio da estátua de propriedade do TJ-RJ, pensando que era a sua. Afinal, na época, o artefato ainda não constava do inventário de bens do fórum de Búzios. Porém, após ser questionado, em julho de 2019, devolveu o item em 24 horas. Isso demonstra que o julgador não teve dolo de obter vantagem patrimonial indevida em razão do cargo, avaliou Slaibi Filho.

Ele também citou que não houve incorporação privada do bem, pois ele ficou no fórum de Campo Grande, não deixou instalações públicas. Por ausência de tipicidade e ilicitude, o relator votou pelo arquivamento do processo.

Voto divergente
O desembargador Bernardo Garcez abriu a divergência. Ele apontou que, no ofício em que pediu o envio da estátua a Campo Grande, João Carlos Correa mencionou a estátua que estava na entrada do fórum de Búzios — que era a esculpida por Carlos Sisternas Assumpção e que só foi doada à Justiça em 2013, quando o juiz já não atuava na comarca.

Garcez também destacou que as duas estátuas são muito diferentes. E questionou o fato de Correa, após ter sido intimado pela Corregedoria, restituir o bem em um dia, sem questionamentos. Afinal, se o item fosse de sua propriedade, ele teria afirmado isso ao órgão, declarou o desembargador.

O magistrado entendeu que Correa violou o artigo 18 do Código de Ética da Magistratura, que proíbe magistrados de usarem bens públicos para fins privados sem autorização, e o artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979), que obriga os juízes a manterem “conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

Também com base em seus maus antecedentes, Bernardo Garcez votou para aplicar a pena de disponibilidade a Correa, que o afastaria por cargo por pelo menos dois anos.

No entanto, prevaleceu o voto da desembargadora Elisabete Filizzola pela aplicação da sanção de advertência, que pode impedir a promoção do magistrado por merecimento.

A magistrada disse que os maus antecedentes citados por Garcez não estão nos autos. Dessa maneira, ela considerou exagerada a pena de disponibilidade. Mas entendeu que Correa deve ser advertido, pois não houve apenas erro no envio das estátuas, visto que uma é bem diferente da outra.

Outras polêmicas
Correa já se envolveu em outras situações polêmicas. Ele foi parado em uma blitz em 2011, no Rio, dirigindo sem habilitação e com o veículo sem placa. Quando ele se identificou, a agente Luciana Tamburini disse que ele poderia ser juiz, mas não Deus. Corrêa considerou a fala “debochada” e deu voz de prisão à funcionária do Detran, por desacato. O juiz acabou sendo alvo de um processo administrativo, mas foi absolvido em 2013 pelo Órgão Especial do TJ-RJ.

O magistrado também foi acusado de favorecer grileiros de terra em Búzios e liderar fiscalizações em free shops de transatlânticos internacionais que ancoravam na cidade. Correa alega que todas as decisões foram tomadas com base na lei.

Processo 0025716-29.2020.8.19.000

Conjur

 

 

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