OS VÍCIOS MAIS COMUNS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS – PRECAUÇÕES, SANEAMENTOS E SOLUÇÕES À LUZ DO TCU

O processo de compras públicas constitui um fator chave para o desenvolvimento das políticas públicas, e, sobremaneira, para o desenvolvimento socioeconômico dos Estados, tendo em vista a grande incidência que as compras públicas têm no gasto do Poder Público.

Os procedimentos de contratação pública requerem para sua gestão um conjunto de regras e parâmetros, a fim de que o Estado possa cumprir de maneira mais adequada as tarefas que lhe são próprias e alcançar uma administração eficiente e transparente dos recursos públicos.

Por esta razão, faz-se necessário que se promova a transparência nos procedimentos, não só para investigar e sancionar eventuais vícios, como também, e fundamentalmente, para prevenir que esses vícios ocorram. Destarte, uma estratégia para prevenir a ocorrência de vícios no processo de contratação pública é conhecer, antecipadamente, quais são os principais e os mais frequentes vícios apontados nos procedimentos licitatórios pelos órgãos de controle.

As boas práticas no procedimento licitatório se iniciam com o planejamento do procedimento e um dos vícios mais apontados pelos órgãos de controle consiste na definição do objeto. A própria Lei de Licitações dispõe que a especificação do objeto a ser adquirido deve ser feita de maneira clara, concisa e objetiva (BRASIL, 1993). A falta de especificação adequada do bem ou serviço a ser adquirido, em virtude da prática comum do empirismo, do acaso e da pressa na iniciação das licitações ocasionam obras inacabadas, estoques de materiais em excesso ou sem a possibilidade de uso sem saber o rsponsável pela aquisição; desperdício de tempo e de dinheiro público (SILVA, 1998).

A especificação do bem ou serviço a ser adquirido deve ser feita cuidadosamente, de maneira a garantir a aquisição de um produto de qualidade ou a contratação de um bom serviço, evitando especificações excessivas que venham a restringir a competitividade. A má especificação do que se pretende contratar poderá levar todo o esforço de um procedimento à nulidade, causando prejuízo ao Poder Público e à própria população e responsabilização dos agentes públicos (Acórdão 3131/2011-Plenário).

O Tribunal de Contas (2007) pacificou o entendimento sobre o assunto com a edificação da Súmula n° 177, com conteúdo específico sobre definição do objeto da licitação, que deve ser de forma clara e suficiente, indispensável a garantir a igualdade entre os licitantes e, consequentemente, a competitividade.

Outro vício constante nos procedimentos de compras é a escolha da modalidade de licitação a ser utilizada, a qual constitui condição indispensável para que se atinja a maior eficiência na seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.

As modalidades licitatórias são os diferentes modos previstos na legislação para o processamento da licitação e se dividem em seis modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão, previstas na Lei Federal nº 8.666/93; e pregão, modalidade especial, previsto na Lei 10.520/2002.

 

As cinco primeiras modalidades, chamadas de modalidades comuns, são utilizadas para contratações públicas em geral e são definidas em razão do valor da contratação, sendo permitido o uso de uma modalidade mais complexa, quando exígível uma mais simples. Todavia, o oposto não pode ocorrer, ou seja, não se pode usar uma modalidade mais simples, quando exígível uma mais complexa porque configura fracionamento, expressamente vedado no § 5º do art. 23, da Lei n. 8.666/93.

 

O objetivo da Lei é coibir a fraude, o agir de modo doloso fracionando o objeto da contração para fugir de modalidade de licitação mais complexa.

 

Já a modalidade pregão é utilizada para contratações de qualquer valor, desde que, o objeto seja um bem ou serviço comum (Acórdão 313/14 – Plenário) e deve ser, preferencialmente, usada em sua forma eletrônica ( Decreto 5.504/2005). O uso do pregão presencial constitui exceção e deve ser justificada no processo licitatório (Acórdão n.º 2753/2011-Plenário, TC-025.251/2010-4, rel. Min. José Jorge, 19.10.2011).

Por outro lado, não se pode confundir o fracionamento (vedado) previsto no § 5º do art. 23, com o parcelamento (admitido) do § 1º do referido artigo que prever a possibilidade da Administração dividir em várias parcelas as obras, serviços e compras se comprovado que são técnica e economicamente viáveis, procedendo-se, diz a lei, “à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala”.

Neste caso, todavia, deve se adotar licitações distintas para cada etapa ou conjunto de etapas, observando-se a modalidade cabível para a execução total, isto é, pelo todo e não para cada parcela, conforme dispõe o § 2º do mesmo art. 23 (TCU, Proc. n. 028.256/2013-1, Solicitação do Congresso Nacional (SCN), Acórdão n. 1.540/2014, Plenário, j. 11/06/2014, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues).

Neste mesmo sentido, vale sopesar o critério de julgamento da licitação: lote ou item. O agrupamento de itens em lotes num procedimento licitatório deve ser visto como uma medida excepcional, posto que o parcelamento do objeto é medida que se impõe como regra geral, desde que não haja prejuízo para o conjunto a ser licitado nem perda da economia de escala, conforme preconiza a jurisprudência consolidada na sumula 247 do TCU.

A regularidade da aglutinação dos itens em lotes depende de justificativa apta a comprovar que a medida é econômica e tecnicamente mais vantajosa do que a regra da licitação por itens isolados, que propicia uma ampla participação de licitantes que, mesmo não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas.

Outro ponto que merece destaque é a pesquisa de preços de mercado, que deve ser feita pela Administração, a fim de se ter um parâmetro do valor praticado no mercado. Embora haja previsão normativa para a realização da pesquisa, não há prescrição legal da forma de realização da mesma e assim, consolidou-se o costume de consultar três ou quatro pessoas que atuem no ramo do objeto a ser licitado, solicitando a eles orçamento informal, a partir dos quais a extrai a média que servirá de parâmetro à Administração.

Todavia, o TCU vem reconhecendo que os orçamentos dos fornecedores não refletem, necessariamente, o preço de mercado. No recente Acórdão Nº 140/2019 – TCU – Plenário, o Órgão de Controle determinou que a pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo da licitação não deve ser restrita a cotações junto a fornecedores, devendo se utilizar outras fontes como parâmetro, a exemplo de contratações públicas similares, sistemas referenciais de preços disponíveis, pesquisas na internet em sítios especializados e contratos anteriores do próprio órgão, devidamente ajustados por índices aplicáveis.

Por último, é necessário que as contratações públicas sejam feitas com transparência, eficiência, eficácia e economia de forma a propiciar uma melhor aplicabilidade dos recursos públicos e assim, o Estado cumprir os fins que lhes são inerentes. Contratações públicas transparentes, com publicidade e com acesso a informação a todos os interessados possibilitam uma maior competitividade e, consequentemente, economicidade, além de facilitar o controle social, beneficiando a própria Administração que terá seus atos pautados na legalidade e legitimidade; ao setor privado, que poderá participar do procedimento de forma igualitária; e, à sociedade que será beneficiada com bens e serviços públicos adquiridos de acordo com as melhores condições de mercado.

Além de conhecer e tentar evitar os supracitados vícios, o gestor público precisa identificar quais vícios podem ser corrigidos pelo saneamento e quais levam à nulidade, no todo ou em parte, do procedimento, conforme a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 10.520/2002 e assim afastar irregularidades e responsabilizações pelos órgãos de controle.

 

BIBLIOGRAFIA:

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______. Lei nº. 8.666/1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm. Acesso em: 23 de julho de 2019..

______. Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10520.htm . Acesso em: 23 de julho de 2019.

______. Tribunal de Contas da União. Manual de licitações e contratos: orientações básicas. Brasília: Secretaria de Controle Interno, 2018. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A24D6E86A4014D72AC81CA540A&inline=1. Acesso em: 23 de julho de 2019.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2012.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo.  8ª ed. Sâo Paulo: Saraiva, 2018.

SILVA, Walteno Marques da. Procedimentos para licitar. 1 Ed. Brasília: Editora Consulex. 1998. 655p.

 

Luzinete Lima Silva Muniz Barros, Advogada, Professora, Consultora e Coordenadora de Licitações e Contratos, Gerente de Pregões, Presidente de Comissão de Licitação e Pregoeira. Doutoranda em Direito e Especialista em Direito Processual, Seguridade Social e Gestão Pública.

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