Fachin anula condenação de preso há 7 anos por delação desmentida

Trabalhador rural foi condenado a 21 anos de reclusão sem outra prova além de delação, que posteriormente foi desmentida por delator.

O ministro Edson Fachin, do STF, anulou a condenação de 21 anos de reclusão imposta a um trabalhador rural condenado e preso pelos crimes de latrocínio e destruição de cadáver com base apenas na delação premiada de um dos réus, que, posteriormente, se retratou, desmentindo a delação.

A decisão do ministro, proferida no RHC 182.749, determinou, com urgência, a expedição do alvará de soltura do acusado, preso há sete anos.

O caso

O crime ocorreu em março de 2014, em Bragança Paulista/SP. O patrão do trabalhador morreu em razão de agressões sofridas durante um assalto, e seu corpo foi carbonizado.

O homem foi preso em junho do mesmo ano e condenado em decisão transitada em julgado. Tanto na primeira quanto na segunda instâncias, a condenação se firmou com base na delação premiada de um homem réu confesso do crime e sobrinho de outro envolvido. Ocorre que, posteriormente, em carta juntada em alegações finais, o delator se retratou das acusações.

Em abril do ano passado, o ministro havia negado seguimento ao RHC, decisão confirmada pela 2ª turma do STF meses depois. Contra essa decisão colegiada, a defesa apresentou embargos de declaração. Na nova apreciação do caso, o relator concedeu o habeas corpus de ofício.

Nos embargos, os advogados sustentavam que, desde a primeira oportunidade, fora apontado o cerceamento de defesa do acusado, que não pôde se manifestar sobre a retratação do delator, e solicitada a realização de novo interrogatório do delator.

Presunção de inocência

Na decisão, o ministro Edson Fachin afirmou que o trabalhador rural foi condenado com base na versão contada pelo colaborador às autoridades policiais. Por meio dessa versão, foram reconhecidas contradições no seu interrogatório e provas para excluir álibi em seu favor.

Fachin observou que só se exige álibi da pessoa que, acusada, precisa afastar uma prova, e não de quem, a partir apenas de imputações do colaborador, deve ter sua inocência presumida.

“A mesma ordem de ideias exige que se desconsidere ou que se tenha como desinfluentes eventuais contradições contidas no interrogatório do paciente.”

Delação

O ministro registrou que o texto original da lei 12.850/2013 (artigo 4, parágrafo 16) determina que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”. A nova redação da norma (lei 13.964/2019) não autoriza nem mesmo a adoção de medidas cautelares ou o recebimento de denúncia com base apenas em declarações do colaborador.

Essa orientação tem sido acolhida majoritariamente pelo Supremo, que rejeita o prosseguimento de investigações com fundamento apenas nas declarações do colaborador. Ele explicou que os depoimentos do colaborador constituem meios de prova, que somente servirão para a formação do convencimento judicial se forem corroborados por outros meios idôneos de prova.

No caso, o único elemento nos autos que contribui com a acusação contra o trabalhador rural é a suposta ausência de álibi, o que, se tomado à luz apenas do depoimento do colaborador, é insuficiente para lastrear minimamente a condenação. Por isso, é preciso anular a sentença.

O ministro acrescentou que a defesa também tem razão quando aponta ofensa ao contraditório, por falta de oportunidade de se pronunciar sobre a retratação juntada posteriormente pelo colaborador. De acordo com ele, tanto a legislação sobre o tema como o entendimento do STF determinam que é direito do defensor do réu delatado se manifestar após o prazo concedido ao réu delator.

Acusações falsas

Segundo Fachin, a regra de que a condenação não pode se basear apenas nas palavras do colaborador se justifica porque o incentivo para a redução da pena é grande demais para proteger as pessoas contra acusações falsas. “Um dos remédios para impedir isso reside justamente na possibilidade de se questionar todos os fatos que foram utilizados para construir a narrativa”, concluiu.

Fonte: STF. 

 

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