Covid-19: a tentação do teste de farmácia pode gerar mais dúvidas

Exame dá margem a falsos negativos e positivos e não serve para diagnosticar doença, mas sim quem já foi exposto a ela, pois detecta anticorpos

Há pouco mais de dois meses, é possível fazer o teste rápido para a covid-19 em farmácias. Ao dar aval para que isso acontecesse, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) alertou que esse tipo de exame não serve para diagnosticar a infecção pelo novo coronavírus, mas sim quem já foi exposto a ele, pois detecta anticorpos.

A consultora financeira Priscila Bernardo, 38, resolveu fazer o teste no dia 25 de junho em uma farmácia de São Paulo, que lhe cobrou R$ 126. “Eu tive perda de paladar e olfato, passei 2, 3 dias assim. Aí, fiquei sismada e pensei: será que eu já tenho anticorpos?”, conta.

O resultado foi negativo. Ela não ficou convencida e repetiu o teste – dessa vez em um laboratório no interior paulista -, mas nada mudou. Ela diz que se arrependeu de ter feito os testes depois de ter lido relatos de pessoas em um grupo em uma rede social que diziam ter contraído o vírus mais de uma vez. Ela, então, concluiu que não fazia diferença ter ou não anticorpos, pois o risco de contrair a doença seria o mesmo.

De acordo com Priscila, o farmacêutico não fez nenhuma pergunta antes de aplicar o teste, o que contraria as recomendações da Anvisa.

“Reforçamos que o farmacêutico deve estabelecer procedimento escrito para o atendimento, incluindo a árvore decisória para a utilização do teste”, afirma a instituição em nota. “O usuário que procurar a farmácia deve ser orientado quanto ao momento correto de realizar o teste rápido”.

A utilidade desses testes ainda gera confusão para algumas pessoas. Há duas semanas, foram realizadas duas festas em Brasília em que as aniversariantes acreditaram estar seguras ao permitir que somente convidados com resultados negativos para o teste rápido participassem do evento. Porém, isso indica a falta de anticorpos e, portanto, a possibilidade de contrair o vírus.

“Nessa festa, todo mundo entrou suscetível e podia ter gente nos primeiros dias de infecção, sem anticorpos, mas que já estava transmitindo [o vírus]”, afirmou a infectologista Lina Paola, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, em entrevista ao R7.

Também é possível comprar testes rápidos por aplicativos, algo que deve contribuir para gerar ainda mais confusão entre a população, de acordo o infectologista Jean Gorinchteyn, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo

“A gente nunca sabe as origens desses testes e eles podem ter uma margem de erro ainda maior”, alerta.

Lina também enfatizou que existem diferentes kits de testes rápidos aprovados e comercializados, mas não é possível garantir que todos tenham alta qualidade.

“São diversas marcas, diversos produtores. A sensibilidade [capacidade de identificar a presença de anticorpos] não é 100%. São necessários testes com uma base científica melhor”, ponderou.

Detecta anticorpos, mas não comprova imunidade

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IgM e IgG são os dois tipos de anticorpos identificados pelo teste rápido. O IgM é o primeiro a ser produzido e tende a desaparecer, indica que o paciente está infectado ou teve uma infecção recente.

Já o IgG demora para ser fabricado, porém é mais abundante e permanece no sangue, como uma memória de defesa. No entanto, uma pesquisa realizada na China mostrou que, no caso do novo coronavírus, ele pode durar apenas três meses.

Em entrevista ao R7, Alessandro dos Santos Farias, professor do Instituto de Biologia e Coordenador da Frente de Diagnóstico da Força-Tarefa de enfrentamento ao novo coronavírus da Unicamp, explicou que o simples fato de ter anticorpos para uma doença não garante imunidade a ela.

“O que dá para dizer [com o resultado positivo] é que o sistema imune foi capaz de responder eficientemente ao vírus, mas a proteção é sempre uma combinação [da ação] de células e fatores solúveis dos sistema imune. O principal deles é o anticorpo”, disse.

Ele ainda afirmou que o anticorpo detectado no teste rápido pode não ter efeito contra as proteínas responsáveis pela entrada do coronavírus na célula. Esse é mais um fator pelo qual ele não pode ser encarado como atestado de imunidade.

“O vírus está revestido de proteínas. Essas proteínas têm vários pedaços diferentes, que podem ser reconhecidos por anticorpos diferentes”, descreveu Farias. “Pode ser que o anticorpo identificado pelo teste se ligue a uma proteína que não faz a menor diferença para que o vírus entre na célula”

Quando a Anvisa liberou a aplicação dos testes rápidos em farmácias, o CFM (Conselho Federal de Medicina) manifestou preocupação com a decisão.

“Esses testes apresentam deficiências, pois devem ser realizados após sete dias da apresentação dos primeiros sintomas”, ponderou.

Sete dias é o prazo necessário para que o organismo consiga produzir essa resposta do sistema imune em níveis detectáveis pelo exame – período conhecido como “janela imunológica”.

Resultados falsos são frequentes

Gorinchteyn destaca que a acorrência de resultados falsos é frequente. “O que nós temos é que os testes rápidos dão [resultados] falsos negativos e falso positivos. Eles têm uma acurácia muito baixa de 50% a 56%”, afirma.

Segundo o CFM, se o teste rápido for realizado no período incorreto, 75% dos resultados podem ser “falsos negativos”.

Já os resultados falsos positivos acontecem por causa de um fenômeno chamado “reação cruzada”: “Ele detecta anticorpos para outras doenças, que não servem para combater o novo coronavírus. Isso aconteceu com pessoas que tomaram a vacina da gripe”, exemplifica Gorinchteyn.

“Então, não ajudam para que a gente possa ter uma estratégia frente ao grupo testado”, completa.

De acordo com o especialista, o teste rápido feito em laboratório tem resultados melhores porque analisa o soro (parte líquida) do sangue – e não a sua totalidade, como o exame realizado em farmácia -, mas ainda pode falhar.

“Detecta anticorpos específicos e tem uma sensibilidade maior, mas a precisão varia, chega no máximo a 82%”, afirma.

 

R7

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