Aval da Anvisa para patente de fármacos inclui requisitos técnicos do INPI, diz STJ

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) possui atribuição legal para analisar todos os aspectos referentes à concessão de patente de produtos e processos farmacêuticos, inclusive os requisitos da patenteabilidade: novidade, aplicação industrial e atividade inventiva. Sem a anuência da autarquia, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não pode conceder a patente.

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado pela Anvisa para reformar a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que permitiu ao INPI analisar a concessão de duas patentes, mesmo sem a necessária anuência da autarquia sanitária.

As patentes foram pedidas pela Novartis, empresa farmacêutica suíça. De acordo com o artigo 229-C da Lei de Proteção Industrial (Lei 9.279/1996), a concessão delas depende da prévia anuência da Anvisa.

Essa previsão foi incluída pela Medida Provisória 2.006/1996 e repetida em outras MPs até sua conversão na Lei 10.196/2001. Desde então, doutrina e jurisprudência tiveram dificuldades para alcançar um consenso sobre o alcance da norma e a obrigatoriedade de sua aplicação a determinadas hipóteses.

No caso concreto, a Novartis se insurgiu porque a Anvisa negou anuência à concessão das patentes ante a ausência do requisito da novidade, um critério técnico da patenteabilidade. Para a empresa, a autarquia só poderia fazer análise pelo viés da saúde pública, conforme sua atribuição institucional. O TRF-2 concordou com essa posição.

Ao STJ, a Anvisa recorreu dizendo que sua atribuição na análise dos pedidos de patente não tem limitação. Explicou que patentes concedidas de modo indevido trazem risco injustificado à saúde pública, com impactos na formulação de polícias públicas e no acesso universal a serviços de saúde.

Essa foi a posição da maioria na 4ª Turma do STJ, conforme o voto do relator, ministro Luís Felipe Salomão. Com o resultado, o acórdão do TRF-2 que permitiu ao Inpi analisar as patentes mesmo sem a anuência da Anvisa deixa de valer. Votaram com ele os ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Ficou vencida a ministra Isabel Gallotti.

Concessão de patentes impacta diretamente acesso à saúde dos brasileiros
Arquivo/Agência Brasil

Solução administrativa
A decisão da 4ª Turma, a princípio, vai de encontro à solução administrativa encontrada em conjunto pela Anvisa e o Inpi. Em 2017 — após o ajuizamento da ação julgada nesta quinta-feira (5/8) —, as autarquias publicaram a Portaria Conjunta 1/2017, que disciplina com transparência o instituto da anuência prévia.

Ficou acordado que a Anvisa pode fazer a análise dos requisitos de patenteabilidade, como no caso analisado pelo STJ, mas que isso não vincula a decisão técnica do Inpi sobre a concessão da patente. O parecer Anvisa pode ser afastado, desde que com a exposição de fundamentos técnicos pelo Inpi.

Para o ministro Luís Felipe Salomão, a portaria conjunta não esvazia a decisão do STJ, órgão responsável pela última palavra na interpretação da lei federal.

Ressaltou, inclusive, que a aplicação do artigo 229-C de modo extensivo não impede que uma eventual divergência seja resolvida sob ótica cooperativa: que Anvisa e Inpi busquem equacionar o estímulo da atividade inventiva para desenvolvimento tecnológico e o interesse social de concretizar o direito fundamental à saúde.

Outorga de patente e autorização sanitária são coisas distintas, destacou ministro Luís Felipe Salomão, relator do recurso
Sandra Fado

Atribução legal
Na opinião do ministro Salomão, não há invasão de atribuições pela Anvisa quando a recusa de anuência prévia para patenteamento estiver fundamentada em qualquer critério que demonstre o impacto prejudicial da concessão às políticas públicas de saúde. Inclusive porque, dentre as competências da autarquia encontra-se a correção de falhas de mercado no setor de fármacos e a promoção de acesso e assistência farmacêutica da população.

Destacou que a previsão de anuência prévia é expressa no artigo 229-C da LPI, e portanto a atuação da Anvisa no processo de obtenção de patente não pode ser subsidiária, como decidiu o TRF-2.

“Essa atribuição da Anvisa não se confunde com o controle sanitário. Outorga de patente e autorização sanitária são coisas distintas. Interpretar o 229-C como autorização sanitária significa esvaziar a opção legislativa.

Ao acompanhar o relator, o ministro Raul Araújo também destacou a clareza do texto legal, que não deixa margens para interpretação. “Afastar a aplicação desse dispositivo, mesmo que com outra interpretação — que não vejo como tarefa fácil —, importaria até em levar o caso à apreciação da Corte Especial, dado que seria uma necessária apreciação quanto à constitucionalidade da norma”, disse.

Para ministra Gallotti, palavra final sobre patente de fármaco deve ser do órgão cuja atribuição é tratar de propriedade intelectual

Palavra final
No voto vencido, a ministra Isabel Gallotti defendeu que a adoção da tese segundo a qual a competência da Anvisa para analisar critérios técnicos de patenteabilidade é subsidiária apenas confirma o que foi acordado entre as autarquias, na portaria conjunta. Para ela, a palavra final deve ser do Inpi, autarquia legalmente incumbida da matéria propriedade intelectual.

Entender diferente abre a possibilidade de a patenteabilidade de um fármaco ou processo industrial depender do grau de utilidade para a saúde do cidadão ou para o sistema de saúde. Quanto maior o benefício, menor a chance de obter a patente.

“Abrir precedente sem base no ordenamento jurídico, permitindo negativa de patente sob o fundamento genérico de que a propriedade intelectual prejudica o acesso a medicamentos pode facilitar momentaneamente o acesso geral da população a determinados medicamentos”, disse a ministra Gallotti.

“Mas a longo prazo, desestimula a atividade empresarial ao investimento em tecnologia e pesquisa, e pode afastar o acesso a outras tecnologias e a atuação de empresas estrangeiras em território nacional, deixando o Brasil à sombra do Direito Patentário”, concluiu.

REsp 1.543.826

Conjur

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