O presente estudo tem como objeto uma análise sobre o processo argumentativo do projeto de emenda à constituição de número 171 de 1993, e sobre a forma como a Teoria da argumentação jurídica de uma nova retória contribui para que se possa garantir a produção das normas conforme os anseios da sociedade atual, constituindo, dessa forma, o pleno funcionamento da justiça em relação à defesa dos direitos e obrigações da sociedade. Como delimitação, realiza-se o seguinte questionamento: quais os argumentos utilizados pelo poder judiciário brasileiro para justificar a redução da maioridade penal? A Constituição da República traça as leis como um projeto no qual o estado democrático de direito, de acordo com a análise da argumentação jurídica, condiciona toda a construção legislativa e dogmática da legislação brasileira, que possui o dever de ser um instrumento a serviço do Estado e da sociedade, enquanto mecanismo que justifica as principais alterações legislativas e a elaboração dos argumentos factíveis e persuasivos que justifiquem as decisões e aprovações das leis conforme os anseios da sociedade. Não apenas como aplicação das normas pormenorizadas e específicas da sociedade, mas, sobretudo, como o foco de alcançar o entendimento do público, devido à alta carga valorativa e fundamentadas. Como base para a pesquisa, utiliza-se a Teoria da Argumentação ou Nova Retórica que teve o seu surgimento com a rejeição do positivismo lógico, o qual buscava tornar a linguagem natural mais pura e ajustá-la, dessa forma, sobre uma linguagem científica. Objetiva-se, dessa forma, uma análise do processo argumentativo do autor Chaim Perelman de uma Nova Retórica e as suas implicações para a lógica jurídica e para a aplicação no Direito. Logo em seguida, será feita uma breve análise da lógica jurídica do autor supramencionado, consistindo nas implicações da argumentação e da retórica para o ramo jurídico, devido ao uso contínuo dos discursos. Ao fim, apresentam-se argumentos favoráveis e desfavoráveis à redução da maioridade penal e busca-se identificar as principais estratégias argumentativas que visam convencer e persuadir o público.
Palavras-chave: Argumentação jurídica, Nova retórica, Decisão judicial, PEC 171.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo é voltado para uma análise do processo argumentativo do projeto de emenda à constituição – PEC 171/1993, de acordo com o processo argumentativo sobre o qual os autores das Propostas de Emendas à Constituição (PECs) justificam a diminuição da maioridade penal no Brasil à luz da Nova Retória, do autor Chaïm Perelman,. É notório que em face das diversas mudanças no mundo é gerado um reflexo nas leis que regem a sociedade com um todo e é de suma importância a realização da análise jurídica das argumentações que embasam as decisões do judiciário e que impactam a sociedade como um todo, justamente porque consistem em fornecer um leque de fatores que justifiquem um projeto que embase o texto de lei.
Então, nota-se que os elementos argumentativos que viabilizam toda a prática real dos anseios sociais e que, dessa forma, concretizam um complexo de leis e de normas que possam atender às necessidades e às mudanças da população possuem grande importância para os julgados e, principalmente, para a produção das leis no ordenamento jurídico brasileiro. Devido à alta carga valorativa, como base para o projeto, será utilizada a Teoria da Argumentação ou Nova Retórica que teve o seu surgimento com a rejeição do positivismo lógico, o qual buscava tornar a linguagem natural mais pura e ajustá-la, dessa forma, sobre uma linguagem científica.
A estrutura da PEC é dividida em quatro partes. No cabeçalho, constam as devidas informações sobre número, ano e o autor da proposta, bem como frase ou parágrafo com o respectivo assunto do documento em análise para a construção do projeto. O caput contém a nova redação do trecho sobre a qual se propõe mudar na Constituição. A terceira parte é a justificativa (ou justificação), texto argumentativo com os motivos que fundamentam a alteração constitucional. Na quarta parte, estão as assinaturas dos parlamentares que subscrevem a PEC, com, no mínimo, um terço do total de membros da casa legislativa do proponente (PACHECO, 2013; SILVA; HÜNING, 2017).
Dessa forma, a Constituição Federal do Brasil (CF/1998) se deteve a positivar os mais diversos direitos, como forma de garantia social, porém sem se atentar a uma sustentação de retórica e a uma elaboração do argumento factível e persuasivo que seja plausível ao contexto atual dos quais se apoiam as decisões e aprovações de leis, normas e, principalmente, dos anseios sociais.Objetiva-se, de forma específica, apresentar argumentos favoráveis de desfavoráveis, à redução da maioridade penal. E, logo em seguida, identificar as principais estratégias argumentativas que visam convencer e persuadir o público.
Perelman parte da ideia da retórica clássica aristotélica para fazer a criação de uma nova teoria da argumentação jurídica chamada Nova Retórica. Assim, será feita uma breve análise da lógica jurídica do autor supramencionado, a qual consiste nas implicações da argumentação e da retórica para o ramo jurídico, devido ao uso contínuo dos discursos. Com o escopo de não comprometer a segurança jurídica, atrelou-se ao conceito de Direito as noções de equidade e razoabilidade.
A metodologia da pesquisa foi a bibliográfica: leitura e estudo das obras doutrinárias, legislação vigente, direito comparado, estudo das estratégias argumentativas dos discursos favoráveis e desfavoráveis. Dessa forma, o presente estudo foi desenvolvido tendo como base bibliográfica a obra sobre a retórica do autor de Chaïm Perelman “Nova Retórica”.
A retórica é a adesão intelectual de um ou mais espíritos apenas com o uso da argumentação; é o preocupar-se mais com a adesão dos interlocutores do que com a verdade. É não transmitir noções neutras, mas procurar modificar não só as convicções daqueles espíritos, como as suas atitudes, destacando que a argumentação preocupa-se mais com a adesão do que com a verdade.
A análise realizada reforça o entendimento sobre as principais leis que devem ser justificadas de forma a que se pretenda verificar as justificativas conforme os entendimentos do judiciário brasileiro.
2. PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO DE CHAIM PERELMAN
Conforme a lógica argumentativa, sendo complexa ao campo da retórica jurídica, faz-se necessária a análise da estrutura utilizada, coforme as justificações, em especial na fundamentação das leis e dos argumentos que sejam de acordo com os posicionamentos adotados para persuadir e convencer o auditório. Dessa forma, a teoria da argumentação não tem como finalidade o estudo único e exclusivo de técnicas discursivas, mas sim, e também, o das condições que possibilitam o desenvolvimento da argumentação.
Além disso, a persuasão concebida recobre um campo amplo se em comparação à retórica antiga. Assim, para que haja argumentação não é necessária a presença do orador diante de um auditório. O que se torna imprescindível é a existência de argumentos destinados a convencer e a persuadir.
A Teoria da Argumentação vale-se de um instrumental analiticamente adequado para que seja feita análise da legitimada das decisões do judiciário e de justificação de posicionamentos no ramo jurídico, que, de forma geral, não são resultantes de uma só compatibilidade de normas, súmulas ou projetos de leis, mas também da aceitação pela sociedade.
Em primeiro lugar, a retórica age sobre os indivíduos (e não sobre os conceitos, como o de verdade), mais precisamente sobre a opinião deles, ou seja, por definição sobre um elemento pessoal e subjetivo. Assim, ainda que seu objetivo final seja a procura da adesão do destinatário, logo a semelhança de concepções entre os interlocutores, ela sempre deverá levar em conta as diferenças de apreciação e até as divergências de ponto de vista, inevitáveis entre indivíduos.
Em segundo lugar, ela não procura determinar se uma tese é verdadeira ou falsa, mas influenciar outra pessoa, logo, nunca será automática ou obrigatoriamente aceitável. Dessa forma, ela é bem-sucedida não quando atinge a verdade (que não é o seu objeto), mas quando convence o destinatário. Para o autor Chaim Perelman (2007), na Nova Retórica não há que se falar em argumentação sem adesão. Dessa forma, é compreensível fazer o seguinte questionamento: se não há argumentação sem adesão, isso significa que sempre que o orador argumenta ele tem que garantir uma adesão?
Nota-se que a adesão de que fala Perelman (2007) é aquela visada pelo próprio orador quando formula seus argumentos com o objetivo de convencer o seu auditório. Nesse sentido, Robert Alexy (2008) destaca que o objetivo de cada argumentação é conquistar ou fortalecer a adesão da audiência. Para realizar esse objetivo, o orador tem de adaptar seu discurso ao público-alvo.
Para Perelman (2007), importa também que o orador, ao selecionar os argumentos para um auditório específico, busque realizar uma escolha acertada dos fatos, valores, lugares comuns para garantir que os argumentos sejam selecionados de acordo com uma dimensão psicológica especial no discurso, já que é um pensamento recorrente e atua de forma direta sobre a sensibilidade do auditório. A elaboração dos argumentos, sejam eles falados ou escritos, passam por duas fases, a saber: a produção dos acordos prévios e a utilização de técnicas argumentativas, com o intento de convencer/persuadir um auditório específico.
2.1. A ARGUMENTAÇÃO E SUA CRÍTICA À DOUTRINA POSITIVSTA
Tendo como contexto os antecedentes das críticas de Chaïm Perelman ao uso do método positivista, podem ser devidamente apontados os autores como François Gény, Jhering e Roscöe Pound, cujas doutrinas são de abrangência pelo próprio autor Perelman no que tange ao tema do realismo. Este grupo de autores não acredita tanto no poder do legislador, pois, para eles:
[…] o Direito, assim como a religião, a moral e a língua, é considerado como a expressão de uma sociedade, de seus costumes (…), o legislador é menos apto que o juiz para definir as realidades sociais. (PERELMAN, 1996)
Em sua visão, Pereman explica que:
[…] sem ser a expressão de uma razão abstrata, supor-se-á que para ser aceito e aplicado, o direito positivo deve ser razoável, noção vaga que expressa uma síntese que combina a preocupação da segurança jurídica com a da equidade, a busca do bem comum com a eficácia dos fins admitidos. (PERELMAN, 1996)
Não se trata de identificar o correto significado da norma, que nem Kelsen (1987) sustentava, mas apenas os exegéticos e, indo mais além, após verificar as diversas soluções possíveis, chegar a uma conclusão sobre a mais razoável.
Nas palavras de Perelman (1996): “os conflitos de juízos de valor estão no centro de todos os problemas metodológicos criados pela interpretação e pela aplicação do direito. É por isso que a lógica jurídica é uma lógica da controvérsia.” Os problemas específicos de uma lógica jurídica não aparecem quando se trata de deduzir a conclusão que resulta de um conjunto de premissas, como no silogismo apontado pela chamada “teoria mecanicista do direito”, mas quando se trata de estabelecer essas premissas, conferindo às normas jurídicas seu exato alcance.
A retórica tem origem na Sicília por volta de 465 a.C, após expulsão de tiranos (REBOUL, 2004). Cabe ressaltar que sua origem é judiciária, posto que aqueles que foram despojados pelos tiranos passaram a reclamar da violação de seus direitos.
É nesse momento que surge o conceito de retórica como arte persuasiva. O vínculo estreito entre Atenas e Sicília foi o elemento responsável pela introdução dessa arte na polis do saber. Portanto, a retórica surge dissociada da filosofia e da literatura, voltada, substancialmente, para a dimensão pragmática.
Os retores eram os responsáveis pela argumentação judiciária, ao passo que os logógrafos – espécie de escrivães públicos – copiavam as reclamações que apenas deveriam ser lidas diante do tribunal.
A tradição jurídica do Ocidente (MENDONÇA, 2003) contemplou tanto na Antiuidade Clássica quanto na Idade Média, em especial a partir da criação da Universidade de Bolonha, o raciocínio tópico, merecendo destaque, nessa época, o comentador Boécio que resgatou os estudos ciceronianos. Harmonizar a tópica e a idéia de sistema jurídico, constitui o grande desafio da hermenêutica jurídica hodierna, de maneira a superar a exclusividade do uso de raciocínios lógico-formais.
Para Habermas (1982, p. 312), “a história da dissolução da teoria do conhecimento em metodologia constitui a pré-história do positivismo mais recente.”Tal movimento é parte do processo de racionalização ocidental, com vistas à retomada do paradigma da Antiguidade Clássica, que valoriza sobremaneira a razão e recoloca o homem como centro das discussões – antropocentrismo. Importante salientar que a perspectiva lógico-formal também pode ser adotada nos sistemas jurídicos de common law, bastando, para tanto, que o magistrado reste adstrito ao precedente, analogamente ao fetichismo legal da Escola de Exegese, que era subordinada à lei.
No plano jus científico, passa-se a viver, notadamente no pós-guerra de 1945, sob a égide do paradigma principiológico, ou pós-positivista, que, consoante Ávila (2005), o que importa é delimitar o sentido e a função destes, na medida em que constituem normas finalísticas, prospectivas e tendentes à suplementação, haja vista constituírem espécies dotadas de uma tessitura aberta.
2.2. AS NOÇÕES DE AUDITÓRIO
A noção de auditório ou público ao qual se dirige o discurso é bastante vasta no sentido de que este pode efetivamente ser constituído por um conjunto de pessoas reunidas, auditórios particulares, o interlocutor do diálogo, o outro da deliberação íntima ou então constituir o que Perelman chamava de “auditório universal”.
Embora a variação dos auditórios possa ter outros tipos de critérios sociais e políticos, tais como a idade, a função social, o sexo ou poder aquisitivo, Perelman reduz essa variedade a três tipos basicamente. O primeiro é o auditório universal. O que conta para a elaboração do discurso é a representação que o orador faz do público ao qual se dirige. Dessa forma, mesmo que o orador se dirija ao outro diálogo, pode fazê-lo como se se dirigisse ao auditório universal, devendo necessariamente convencer o público da evidência das razões pelas quais são apresentadas, da sua validade eterna e absoluta, independentemente das contingências locais ou históricas.
2.3. ARGUMENTAÇÃO E TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
A pesquisa se propõe a analisar os argumentos usados pelas correntes contrárias e a favor do que trata a PEC 171/1993, que discorre sobre a redução da maioridade penal. Por um lado, verificamos argumentos que defendem a redução da maioridade penal por considerar que o menor com 16 anos tem o direto de votar, elegendo, assim, pessoas que, de alguma forma, irão determinar o futuro de nossa sociedade e, portanto, tem plena capacidade de compreender também o caráter delituoso de seus atos.
Por outro lado, vemos os argumentos usados pela corrente contrária à redução da maioridade penal por considerar que, dentre muitos fatores também relevantes, esta proposta vai de encontro a um direito individual previsto na constituição em seu Art. 228 (BRASIL, 1988). Observam-se os argumentos os quais sugerem que a personalidade dos menores de 18 anos ainda está em formação, desprovida então de maturidade para ter a segurança de seus atos em relação a fatores ilícitos. Não se pode também esquecer que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já traz em seu conteúdo medidas que visam à recuperação e à ressocialização dos menores infratores.
Desta forma, o presente artigo visa buscar informações que possam oferecer a compreensão destes argumentos usados pelas correntes contra e a favor, concluindo que a ideia central é o estudo da argumentação e sua utilização diante da proposição legislativa, tendo como fundamento a análise da estrutura e das estratégias argumentativas, fazendo uma síntese perante o projeto de emenda à constituição de número 171 do ano de 1993. Isso demonstra que a reflexão sobre textos legais não deve ser desconsiderada diante dos processos sociais, valores e ideologias que estão em conjunta e reiterada construção na elaboração de uma legislação.
2.4. FUNDAMENTAÇÃO E TIPOS DE ARGUMENTOS
A proposta da Nova Retórica de Perelman (2004) é reformular o pensamento jurídico contemporâneo, desvinculando-o do pensamento positivista, e demonstrar que o aplicador das leis, ao proferir sua decisão, não pode ater-se simplesmente à literalidade da norma, devendo pensar nos fatos como situações que podem ser valoradas (juízo de valor). O advogado, por exemplo, que busca através de sua argumentação obter a adesão do juiz demonstra que esta adesão está justificada colacionando jurisprudência de instâncias superiores no sentido dos seus argumentos.
Assim, afirma Perelman (2004) que a lógica jurídica difere das demais por ser uma lógica dialética e argumentativa, não bastando a demonstração, devendo o juiz ter uma visão estrita de cada caso concreto para aplicar a solução mais razoável e a mais justa. O Direito exige fundamentação e não demonstração. A demonstração é o que se faz quando se expõe o caminho lógico percorrido para se chegar a um resultado. Mas o Direito não é Matemática. Ele precisa fundamentar criticamente e axiologicamente seus postulados. Fundamentar é dar razões, explicar, revelar os motivos e os convencimentos adotados em uma decisão jurídica.
Por fim, cabe destacar que a Nova Retórica não abrevia a atividade de convencimento e persuasão à argumentação, pelo contrário, ela dispõe a argumentação como a forma de produzir convencimento e persuasão tão presentes no meio jurídico. Mediante tais considerações sobre o pensamento perelmaniano, concluímos que a argumentação se justifica exatamente pela abdicação da coerção para aceitação de uma tese. Ou seja, o orador não faz uso da força para convencer ou persuadir o seu auditório, apenas profere um discurso, sendo livre a adesão daqueles que ele pretende convencer/persuadir.
Perelman (2007) entende a Teoria da Argumentação como uma técnica capaz de substituir a violência. O que esta última pretende obter pela coerção, a argumentação pretende fazê-lo pela adesão. Por isso, o recurso à argumentação requer o estabelecimento de uma comunidade de espíritos que, pelo mecanismo interno de sua própria constituição, exclua a violência. Isso porque em uma comunidade baseada em princípios igualitários, as próprias instituições regulam as discussões. No mundo jurídico, temos, pela leitura histórica, que no período anterior à Revolução Francesa, onde não havia uma separação de poderes, o soberano não necessitava fundamentar suas decisões. Contudo, logo depois de aludida revolução, aqueles que proferiam as decisões passaram a ter que motivar suas decisões, referindo-se sempre às leis (vontade geral) que vigiam no momento – segurança jurídica.
Assim, o juiz deve decidir com base no direito, mas não é apenas a legalidade que deve ser realçada quando da fundamentação das decisões. O juiz deve, ainda, estabelecer uma ligação entre o direito e os valores aceitos por uma determinada sociedade (auditório), de modo que a sua decisão seja ao mesmo tempo legal, razoável, equitativa e aceitável.
- Sauvel, citado por Perelman in Lógica jurídica, diz que:
Motivar uma decisão é expressar-lhe as razões. É desse modo, obrigar quem a toma a tê-las. É afastar toda arbitrariedade. Somente graças à motivação aquele que perdeu um processo sabe como e por quê. A motivação convida-o a compreender a sentença e não o deixa entregar-se por muito tempo ao amargo prazer de ‘maldizer os juízes. (SAUVEL, 1955 apud PERELMAN, 2004, p. 210).
É assim que o orador – o juiz – apresenta aos seus interlocutores – os litigantes, os advogados e a sociedade – as teses do seu discurso. Quando os litigantes/advogados aderem à tese do juiz (orador), o processo acaba, mas, quando não existe essa adesão, as partes recorrem às instâncias superiores. Contudo, não é somente o juiz que busca convencer, mas o caminho inverso também se realiza quando as partes (orador), com teses contrárias, tentam convencer o juiz (auditório).
Os advogados, então, devem delimitar o seu auditório – juiz – conhecer suas decisões anteriores, seus valores pré-estabelecidos, de forma que consigam elaborar uma argumentação capaz de convencer esse auditório na sua especificidade. Quem ignora a opinião e as convicções daqueles a quem se dirige poderia, caso o auditório se restringisse a uma pessoa ou a um pequeno número, certificar-se pelo método de perguntas e respostas – que é o método socrático (maiêutica) – de quais teses são admitidas pelos seus interlocutores.
O advogado – como orador – tem a função de adaptar seu discurso ao seu auditório – juiz ou tribunal – com o fim de que a tese, cuja defesa ficou incumbido de realizar, seja aceita por seu interlocutor e é essa aceitação ou não que definirá o resultado de um processo.
3 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL : UMA ANÁLISE DO PROCESSO ARGUMENTATIVO DA PEC 171/1993
Perelman compreende que a argumentação e a demonstração não se tratam de propostas distintas, mas de procedimentos que se complementam. Se de um lado a demonstração busca a verdade, de outro a argumentação preocupa-se com a adesão do auditório. Pode-se entender que a argumentação é uma atividade prática, que tem por objeto, conforme destaca Perelman (1996, p. 04), “o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam”.
A demonstração, por outro lado, é meio de prova, opera-se por axiomas, um método silogístico que segue rigorosamente as regras preestabelecidas por um sistema formalizado. Desta forma, o resultado esperado será sempre tido como verdade, independente do contexto.
No ramo da retória jurídica, a produção de argumentos factíveis que fossem de encontro ao público, era de forma estrategicamente construída com o objetivo de convencer os ouvintes sobre a nova forma de entender o direito e buscar o convencimento de forma a conformar as indagações e de construir conceitos que atendessem aos anseios da comunidade da época.
Questionava-se acerca de uma nova forma de argumentação que criasse no imaginário, e, assim, consequentemente, gerasse uma nova forma de argumentação jurídica. É notório que, no campo das principais relações humanas, são diversas as discussões que são dadas em torno dos argumentos, que são favoráveis e razoáveis às decisões do judiciário brasileiro.
O direito, dessa forma, se torna a disciplina que busca a adesão do auditório, realizando as principais indagações sobre os principais tipos de decisões do judiciário brasileiro. A forma com a qual as decisões são julgadas e a criação das principais leis buscam direcionar a sociedade conforme as mutações que ocorrem e dos julgados de primeira, segunda e das instâncias superiores.
Nesse sentido, Perelman argumenta que o raciocínio sobre o qual resulta uma decisão do judiciário é um legue de diversidade do silogismo. Passa-se de premissas incontroversas a uma conclusão necessária. Na decisão do judiciário, as premissas podem ser discutidas, sendo apenas as decisões prováveis, e jamais as absolutamente corretas ou incorretas. A forma de analisar o auditório é essencialmente importante para a compreensão do pensamento de Perelman. De acordo com a função do auditório é que se desenvolve a argumentação, pois o principal objetivo não é o de apresentar uma verdade absoluta ou incontestável, mas sim o de convencer o auditório sobre a justiça e da razoabilidade de alguma proposição.
A teoria do direito elaborada pelo positivismo jurídico, principalmente o kelseniano, é de coerência e complexidade surpreendentes, mas conduz a conclusões perigosas, que se apresentam frontalmente contrárias a qualquer idéia de legitimidade democrática, como a de conferir validade aos ordenamentos jurídicos totalitários, pelo simples fato de serem constituídos por leis. Por isso, Celso Lafer (1999) considerou a legalidade totalitária como a ruptura do paradigma da filosofia do direito, uma vez que permitiu experiências nas quais os limites entre o aceitável e o inaceitável desbordaram amplamente daquilo que hoje nos parece razoável.
Até mesmo o positivismo moderado, relacionado aos valores do Estado Liberal, é passível de críticas, pois o dever absoluto de obediência à lei, sem que se aprecie o seu conteúdo, por considerá- la a forma mais perfeita de expressão do direito e de realização da ordem, representa, talvez, um conflito entre meios e fins, pois a ordem será mais facilmente mantida, o que não exclui mudanças, uma vez que o direito seja razoável para as pessoas a que se destina regular. Este é um pressuposto de legitimidade da ordem jurídica.
Concepções críticas ao positivismo jurídico, como a de Perelman, ao exigir que o direito positivo seja razoável estão, na verdade, tentando encontrar uma formulação teórica que permita que a ordem jurídica se realize de forma menos coativa. A aplicação do direito e, por extensão, a realização da ordem não é mecânica, dependendo da atuação de inúmeros profissionais e de um mínimo de observância pelos cidadãos. Para que isso aconteça, é necessário que o direito seja encarado em larga medida como razoável.
3.1. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS Á REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Nas palavras de Perelman: “O juiz tem como missão dizer o direito, mas de um modo conforme a consciência da sociedade. Por quê? Porque o seu papel é estabelecer a paz judiciária e a paz judiciária só será estabelecida quando ele houver convencido as partes, o público, seus colegas, seus superiores, de que julga de forma equitativa”. O juiz argumenta visando a convencer um auditório, que pode ser a opinião pública, as partes em litígio, ou os tribunais superiores. Para obter sucesso em suas decisões, como em qualquer argumentação, é necessário conhecer o auditório, conhecer os valores dominantes na sociedade, suas tradições, sua história, a metodologia jurídica, as teses reconhecidas e, principalmente no Brasil, país periférico, tolhido por desigualdades sociais históricas, as consequências sociais e econômicas deste ou daquele posicionamento.
3.2. O AUDITÓRIO E A ORDEM DO DISCURSO PARA PERSUASÃO E CONVENCIMENTO
Para Perelman, não há dúvidas de que “a argumentação visa obter a adesão daqueles a quem se dirige” (1996, p. 21)., sendo, assim, inteiramente relativa ao auditório que possa influenciar. O autor destaca ainda o fato de que, para que um orador consiga reter a atenção de seus ouvintes, de forma a poder ser ouvido e, consequentemente, desenvolver a argumentação, é necessária alguma qualidade (PERELMAN, 1996). Ou seja, o orador deve conseguir exprimir suas ideias com certa habilidade, visando sempre ao auditório e sua resposta. Por esse motivo, o auditório encontra papel nuclear em sua teoria.
Definido como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação” (PERELMAN, 1996, p. 21), o auditório é o grupo de pessoas que o orador pretende atingir com os argumentos utilizados, de forma a convencê-los ou persuadi-los, conseguindo sua adesão à tese desejada. Trata-se, sem dúvidas, e o próprio autor o admite, de conceito de difícil determinação através de critérios puramente materiais.
Por isso, adota o conceito acima descrito, uma vez que permite que cada orador pense, ainda que de forma não completamente consciente, nas pessoas que procurará persuadir ou atingir com seu discurso. Os oradores, portanto, presumem seus próprios auditórios, noção essa que pode, ou não, coincidir com a realidade. O auditório presumido é sempre uma noção de certa forma sistematizada, já que o orador pode pesquisar suas origens sociológicas ou psicológicas (PERELMAN, 1996, p. 22). Fato é que a argumentação, para ser efetiva, deve conceber o auditório presumido da forma mais real possível. Somente assim aquele que fala poderá saber com maior certeza quais argumentos utilizar, evitando o uso de imagens inadequadas, o que pode gerar “as mais desagradáveis consequências” (PERELMAN, 1996, p. 22).
Perelman ressalta que o conhecimento daqueles que se pretende conquistar é uma condição prévia e necessária de qualquer argumentação que se queira eficaz (PERLEMAN, 1996). Considerando, no entanto, que as opiniões internalizadas por um indivíduo também dependem em grande parte do seu meio social, o estudo dos auditórios reveste-se ainda de caráter sociológico.
Ainda segundo o autor, cada meio poderia ser caracterizado por suas opiniões dominantes, por suas convicções indiscutidas, pelas premissas que aceita sem hesitar; tais concepções fazem parte da sua cultura e todo orador que quer persuadir um auditório particular tem que se adaptar a ele. Por isso a cultura própria de cada auditório transparece através dos discursos que lhe são destinados, de tal maneira que é, em larga medida, desses próprios discursos que nos julgamos autorizados a tirar alguma informação a respeito das civilizações passadas (PERELMAN, 1996). Importante salientar que, da mesma forma que um indivíduo pode mudar de opinião com o passar do tempo ou com o advento de certas circunstâncias, também um auditório pode mudar suas convicções iniciais, fato que jamais poderia ser desconsiderado por um orador que vise fazer uma argumentação de modo eficaz.
Isso pode ser exemplificado com o caso de um político, que após muitos anos na oposição, passa a ser membro do governo. As novas funções e o novo enfoque desse ouvinte, em particular, mudam conforme se altera sua personalidade. Assim sendo, os argumentos que antes poderiam convencê-lo de algo, podem perfeitamente passar a ser inócuos. Perelman (1996) critica a distinção clássica entre os gêneros oratórios, definidos a partir das funções ocupadas por seus auditórios, em deliberativo, judiciário e epidíctico.
Embora lhe credite o mérito de salientar a importância do auditório, afirma que se trata de distinção unicamente prática, tendo falhas e insuficiências manifestas. Um auditório pode ter, ademais, facilmente um caráter heterogêneo. Isso ocorre porque um mesmo grupo pode reunir pessoas diferentes, seja pelo caráter, vínculo ou funções (PERELMAN, 1996).
Nesse caso, cabe ao orador dar-se conta disso e levar tal informação em consideração, sendo que o traço que diferencia os grandes oradores é justamente essa capacidade, de ter em mente a diversidade de opiniões presentes em seu auditório. Nas palavras de Perelman (1996, p. 24): “ele deverá utilizar argumentos múltiplos para conquistar os diversos elementos de seu auditório. É a arte de levar em conta, na argumentação, esse auditório heterogêneo que caracteriza o grande orador”.
A heterogeneidade pode estar presente também em um auditório pequeno, composto por poucas pessoas e, até mesmo, de um ouvinte único. Isso ocorre porque uma mesma pessoa pode assumir diferentes posições ao ouvir os argumentos do orador; pode posicionar-se ora como homem, ora como patriota, cidadão, pai, cristão, e assim por diante, exigindo do orador que compreenda tais transformações.
3.3. FUNDAMENTAÇÃO E TIPOLOGIAS ARGUMENTATIVAS PREDOMINANTES NA PEC 171/1993
Perelman acredita que o conhecimento do auditório e dos meios suscetíveis de influenciá-lo estão intrinsecamente relacionados, e “isso porque o problema da natureza do auditório é ligado ao de seu condicionamento” (1996, p. 26). Ou seja, qualquer estudo que se faça sobre os meios mais persuasivos para certo auditório acabará sendo também um estudo sobre o auditório em si. Da mesma forma, conhecer melhor o grupo de pessoas a que se dirige também garante ao orador o conhecimento dos melhores meios para assegurar seu condicionamento.
Contudo, o auditório não é, ao final do discurso, ainda o mesmo que era no momento de seu início. Está em constante transformação, já que acaba por ser condicionado pelo próprio discurso daquele que lhe dirige a palavra. Deve o orador ter isso sempre em mente, praticando aquilo que Perelman (1996, p. 26) convencionou chamar de “Adaptação Contínua do Orador ao Auditório”.
Como o orador deve se adaptar sempre ao auditório, às suas opiniões, vale dizer que é este que determina os rumos da argumentação: “É, de fato, ao auditório que cabe o papel principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores” (PERELMAN, 1996, p. 26). Isso se explica pelo fato de que são as reações do auditório e dos indivíduos que o compõe que determinam os rumos do discurso. Importa também a capacidade dos membros do grupo ouvinte de compreender os argumentos ou raciocínios ordenados.
Obviamente, um bom orador não insistirá em um argumento que já notou ser incompreensível ou inaceitável para seu auditório, modificando sua estratégia para o convencimento. Embora admita que exista um número quase infinito de auditórios possíveis, Perelman (1996) os classifica em três espécies: a argumentação perante o chamado auditório universal, a argumentação diante de um único ouvinte e a deliberação consigo mesmo; sendo o primeiro constituído pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais, que chamaremos de auditório universal; o segundo formado, no diálogo, unicamente pelo interlocutor a quem se dirige; o terceiro, enfim, constituído pelo próprio sujeito, quando ele delibera ou figura as razões de seus atos.
Para bem entender essa classificação, e, mais especificamente, o conceito de auditório universal, é necessário compreender primeiro a distinção feita pelo autor entre a persuasão e a convicção. De forma bastante resumida, propomo-nos a chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo ser racional.
O matiz é bastante delicado e depende, essencialmente, da ideia que o orador faz da encarnação da razão. Perelman (1996) admite que a presente classificação é imprecisa na prática e acredita que assim deva permanecer. Explica-se, dizendo que a fronteira que distingue diversos auditórios é também muito incerta.
Nessa distinção, a divisão dos auditórios ganha papel essencial, já que a convicção se dá, na definição perelmaniana, perante a aceitação do auditório universal. Este compreende o conjunto de todos os seres humanos, todos os homens adultos e normais, ao menos, sendo conceito largamente abrangente e teórico.
Ainda assim, trata-se de conceito essencial para a nova retórica, enquanto norma de argumentação objetiva, pois as demais espécies de auditórios não passam de encarnações mais precárias desse auditório.
É, portanto, um auditório que transcende os demais, ainda que não possa ser precisado com exatidão. A unanimidade do auditório universal pode ser questionada, já que, bem como a sua universalidade, não passam de fruto da imaginação do orador. Tais características estão de acordo com um auditório que apenas se presume universal, já que aqueles que não participam dele são excluídos por razões legítimas e podem não ser levados em consideração (PERELMAN, 1996).
4. CONCLUSÃO
Com a conclusão, faz-se necessário tecer algumas considerações:
- A nova retórica constitui um movimento do direito contemporâneo que valoriza o pós- positivismo jurídico.
- A abertura valorativa ao intérprete, necessária a uma argumentação que atenda aos reclamos de uma sociedade dinâmica e com anseios polivalentes é oportunizada pela utilização do raciocínio tópico, posto que ele, partindo de lugares-comuns, favorece a adequação de teses à realidade cambiante.
- A lógica da subsunção resta superada, ante a sua ineficiência e, em seu lugar, erige-se a lógica jurídica, carro-chefe da Nova Retórica e responsável pela adequação do espectro normativo à complexidade das relações sociais.
- O acordo e o conceito de auditório universal é consentâneo ao ideal democrático, haja vista que os Estados devem aspirar a adesão racional dos sujeitos envolvidos (cidadãos), sob pena de perversão da sua finalidade.
- A argumentação de Perelman, encontra-se na esteira da atual visão acerca do fenômeno jurídico, posto que possui uma abertura à atividade interpretativa e consegue atender aos reclamos de uma sociedade cada vez mais complexa, dinâmica e plural. Portanto, a lógica jurídica perelmaniana, cerne da Nova Retórica, representa honrosamente o póspositivismo jurídico e contribui de maneira ímpar para a produção jurídico-científica contemporânea.
5. REFERÊNCIAS
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2a. ed. Trad. João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: . São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 77.
MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
PACHECO, Luciana Botelho. Como se fazem as leis. Brasília (DF): Câmara dos Deputados, 2013. Disponível em: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/1860. Acesso em: 15 jun. 2022.
PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. Tradução de Vergínia K. Pupi. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Tradução de Ivone Castilho Bedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SILVA, Aline Kelly da; HÜNING, Simone Maria. Propostas de redução da idade penal no Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Estudos de Psicologia, Natal, v. 22, n. 2, p. 235-246, 2017.
Disponível em: https://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20170024. Acesso em: 27 jul. 2022.
Sérgio de Morais Quaresma
Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected].
Luana de Cássia Viana da Silva
Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected].
Socorro Rodrigues Coelho
Professora do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Doutora em Direito pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail:
Foto capa:Luiz Silveira/Agência CNJ
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