O Alcance da Justiça e Efetividade no Processo Tributário

 Resumo

 O presente trabalho visa apresentar o sistema jurídico brasileiro, sob a ótica processual tributária, perpassando sobre os princípios constitucionais tributários e sua influência na solução das lides fiscais. Também se analisa os conceitos de efetividade e justiça e como estes se aplicam no direito tributário atual, confrontando a ideia de que são suficientes para o cumprimento do ordenamento jurídico justo. Para tanto, o trabalho se utiliza de bibliografia doutrinária e análise das ideias por eles perpassados, em um confronto de ideias.

Palavras-chave: Sistema Jurídico Brasileiro. Justiça Tributária. Processo Tributário

1.    Aspectos gerais sobre sistema e ordenamento jurídico

 A forma e o desenvolvimento do Direito decorrem dos costumes e das relações existentes em uma determinada sociedade. Desse modo, cada país adota um sistema jurídico específico que rege o ordenamento e orienta sua aplicação2.

Segundo o positivista Hans Kelsen, o sistema jurídico se compõe exclusivamente de um conjunto de órgãos criadores do Direito; Kelsen considera, portanto, que há uma união entre Estado e Direito, no qual o Estado cria o Direito e é por sua vez, regulado por ele; esta é a denominada tese da identidade entre Direito e Estado3.

Tendo em vista que cada sociedade toma para si um determinado sistema jurídico para reger seu ordenamento, faz-se necessário compreender o que significa

2 BEVILACQUA, Helga. Civil Law e Common Law: a diferença entre os sistemas jurídicos. SAJADV, 14 de janeiro de 2021. Disponível em: < https://blog.sajadv.com.br/civil-law-e-common-law- a-diferenca-entre-os-sistemas-juridicos/>. Acesso em: 04 de março de 2022.

3 SCHWARTZ, Germano; NETO, Arnaldo Bastos Santos. O Sistema Jurídico em Kelsen e Luhmann: diferenças e semelhanças. In: Direitos Fundamentais e Justiça. Nº 4, julho de 2008.

esse ordenamento jurídico e sua influência nas decisões judiciais de cada sociedade. O teórico jurista Noberto Bobbio, em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico” esclarece esse conceito:

[…] as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si. Esse contexto de normas costuma ser chamado de “ordenamento”. E será bom observarmos, desde já, que a palavra “direito”, entre seus vários sentidos, tem também o de “ordenamento jurídico”4.

Desse modo, percebe-se que para Bobbio, ordenamento jurídico é o contexto de produção normativa de uma sociedade5, englobando não apenas as regras jurídicas isoladamente, mas também as técnicas de produção dessas normas, o modo e o por que foram criadas por cada sociedade.

Atualmente, segundo o processualista civil e advogado Fredie Didier Júnior, vigoram nos ordenamentos dois tipos de sistemas diferentes: Common Law e Civil Law6, que possuem características singulares e refletem o modo de entender o direito de cada sociedade.

O sistema do Common Law é utilizado por países de origem anglo- saxônica e norte-americana, no qual o costume e a jurisprudência prevalecem sobre o direito escrito. Por outro lado, o sistema do Civil Law teve início quando o Imperador Justiniano reuniu todas as leis do continente europeu, consolidando-as em um único código7, nesse sistema, o direito positivado, escrito, impera sobre as demais fontes normativas.

O ordenamento jurídico brasileiro, influenciado pela tradição romano- germânica, é concatenado essencialmente pelo sistema Civil Law, ou seja, tem a lei como principal fonte do direito; ainda assim, a jurisprudência é uma fonte bastante consultada, mas com uma importância secundária8.

4 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 6. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p.19.

5 BASTOS, Athena. Ordenamento Jurídico: conceito, regras e princípios. SAJADV, 10 de outubro de 2019. Disponível em: <https://blog.sajadv.com.br/ordenamento-juridico/#ftnref2>. Acesso em: 05 de Março de 2022.

6 DIDIER JÚNIOR, Freddie. Curso de Direito Processo Civil. v. 01. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

7 DELLAGNEZZE, René. Os sistemas jurídicos da civil law e da common law. JUS.COM.BR,

outubro de 2020. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/86328/os-sistemas-juridicos-da-civil-law- e-da-common-law>. Acesso em: 05 de março de 2022.

8 LIMA, Tiago Asfor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

Nessa perspectiva, passaremos a analisar o sistema jurídico ocidental e suas principais características sob a ótica tributária.

2.   O sistema jurídico ocidental e a ideia de justiça e efetividade

 * Os princípios tributários e sua função norteadora da justiça tributária

  Os sistemas jurídicos ocidentais estão em constante transformação, exigindo, portanto, que o próprio judiciário também se atualize, para que a justiça seja alcançada. Ocorre que quando essa pretensão de justiça é frustrada, a efetividade do direito também o é9.

Sob a ótica processual tributária, a conferência da plena efetividade, segundo Xavier, na sua obra Conceito e Natureza do Acto Tributário, deve se dar pela obediência aos princípios constitucionais da legalidade e tipicidade, pois somente assim, se tem o alcance da isonomia, generalidade e capacidade contributiva, que são aspectos principiológicos do que é fundamentalmente justo em matéria tributária10.

O princípio da legalidade tributária está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso primeiro, que impõe a necessidade de lei em sentido estrito para se criar ou majorar tributos, salvo exceções trazidas pelo próprio texto constitucional expresso em contrário, como no caso dos impostos de importação, exportação, imposto sobre produtos industrializados e imposto sobre operações financeiras, que permitem alteração nas alíquotas por mero decreto do executivo11.

O princípio da tipicidade tributária está amplamente vinculado ao da legalidade, e deve ser entendido como a necessidade de definição prévia de todos os elementos tributários, ou nas palavras de Roque Antonio Carraza:

[…] os elementos integrantes do tipo tributário devem ser formulados na lei de modo tão preciso e determinado, que o aplicador não tenha como introduzir critérios subjetivos de apreciação, que poderiam afetar

9 MARINS, James. Tutela Jurisdicional Efetiva em Matéria Tributária no Brasil: Aspectos da Antecipação de Tutela no Processo Tributário. In: I Congresso Internacional de Direito Tributário – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Espírito Santo, 12 de agosto de 1998.

10 XAVIER, Alberto. Conceito e Natureza do Acto Tributário. Coimbra: Livraria Almedina, 1972, p. 607.

11 GOUVÊIA, José Guilherme de Bem. O que é o princípio da legalidade tributária e suas

aplicações. Aurum, 10 de janeiro de 2022. Disponível em: < https://www.aurum.com.br/blog/principio- legalidade-tributaria/>. Acesso em: 05 de março de 2022.

a segurança jurídica dos contribuintes, comprometendo-lhes a capacidade de previsão objetiva de seus direitos e deveres12.

Contudo, o que se observa no âmbito tributário, é um descumprimento, pelo menos de forma parcial, ao princípio da tipicidade, na medida em que muitos aspectos, por não ter uma previsão normativa anterior, fica a cargo do arbítrio do julgador, ou como bem aponta o processualista Rosemiro Leal:

Aos juízes continua entregue, desde sempre no direito brasileiro, o privilégio de desvendar o caráter oculto do sentido normativo pela livre interpretação do direito escrito e atribuição de produção do direito na hipótese de ausência de normas ao enfrentamento dos conflitos jurídicos13.

O princípio da isonomia tributária, também com previsão constitucional no artigo 150, inciso segundo, deve ser compreendido no tratamento que o Fisco concede aos sujeitos passivos da relação tributária, devendo levar em consideração as características individuais de cada contribuinte14.

Assim sendo, a isonomia em matéria tributária se trata de proibir a distinção entre os contribuintes em igual situação, bem como o dever de distinguir os desiguais, colocando-os em categorias diferentes, na medida da sua desigualdade tributária.

O princípio da generalidade tributária segue como um desdobramento do princípio da isonomia, no qual a tributação não deve atribuir privilégios, devendo atingir a todos na sua generalidade, ou nas palavras de Roque Antonio Carraza:

Por generalidade entendemos que o imposto há de alcançar todas as pessoas que realizam seu fato imponível. E isto independentemente de raça, sexo, convicções políticas, credo religioso, cargos ocupados etc. Noutros falares, este critério veda discriminações e privilégios entre os contribuintes15.

O princípio da capacidade contributiva, também se revela como uma dimensão do princípio da isonomia tributária, e encontra fundamento constitucional no artigo 145, parágrafo primeiro. De acordo com esse princípio, os tributos devem ser graduados de acordo com a capacidade contributiva dos sujeitos passivos.

12 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros Ed, 2001.

13 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 246. 14 PRADO, Flavia. Princípios Constitucionais Tributários: princípios do planejamento tributário. JusBrasil, 2015. Dsiponível em: <https://flaviaprado.jusbrasil.com.br/artigos/119525741/principios- constitucionais- tributarios#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20tipicidade%20no,do%20tributo%20pelo%20cid ad%C3%A3o%20contribuinte.>. Acesso em: 06 de março de 2022.

15 CARRAZA, op. cit.

O objetivo dessa norma tributária é proteger os contribuintes de uma possível ação arbitrária e confiscatória por parte do aplicador da lei, que deve diferenciar a capacidade econômica de cada individuo, da capacidade contributiva. Enquanto aquela significa apenas a aferição de renda, esta visualiza se o sujeito possui capacidade para contribuir com o estado, ou se aquela reserva financeira é sua renda mínima para o sustento.

Tendo analisado os princípios tributários, passemos agora ao entendimento da justiça e efetividade no sistema tributário.

2.2.   Justiça e efetividade do sistema tributário

 Como já abordado no tópico anterior, para que se tenha uma satisfação da justiça e efetividade, é necessário que haja o devido respeito aos princípios constitucionais tributários. Contudo, embora a aplicação desses princípios, o que se percebe no cenário atual tributário é uma verdadeira quebra de justiça e efetividade, visto que o sistema processual é inábil em vários pontos, conforme será discorrido ao longo deste trabalho.

Primeiramente, é coerente afirmar que o sistema tributário atual é bastante insatisfatório, e necessita de um profundo aprimoramento, principalmente no que tange à proteção ao cidadão contribuinte, bem como à solução de conflitos fiscais. Com relação ao primeiro ponto, o que se observa é que a efetividade da tutela jurisdicional em matéria tributária é buscada em detrimento dos direitos do contribuinte, agindo como um verdadeiro imperativo jurídico16.

Ou seja, o que se observa é que a efetividade no direito tributário é entendida somente como a satisfação do poder que a Administração Pública tem de creditar o contribuinte, sujeito passivo ordinário desta relação jurídica; mas quando este se encontra na posição de credor, como acontece quando é autor de Ação de Repetição de Indébito, por exemplo, pouco ou quase nunca se busca a observância da efetividade.

Não bastasse esse fato, paira sobre a sociedade um certo conformismo dessa situação de imperatividade desenfreada, e que segundo Pont Mestres, em sua obra La Suspension de los Actos de Liquidacion Tributaria y el Problema de las

 16 MARINS, op. cit.

Garantias, é decorrente da ideia generalizada e imposta de aceitação da superioridade e domínio da Administração Pública frente ao contribuinte17.

Contudo, alguns tributaristas, como Gian Antonio Micheli, Proto Pisani e Motesano, externaram discordância com esse fenômeno jurídico de conformismo, apontando categoricamente que há uma diferença entre as tutelas jurisdicionais do processo civil e as do processo tributário, que fazem com que as controvérsias civis e tributárias devam ser tratadas de maneiras diferentes de acordo com suas particularidades18.

Ou seja, enquanto em uma lide civil, a parte busca a afirmação de um direito subjetivo, para que haja da outra parte uma prestação ou um comportamento, nas controvérsias tributárias, o contribuinte não busca essa afirmação, até porque a atividade tributária é vinculada a lei, não cabe subjetividade, o que o contribuinte suscita é que essa legalidade seja cumprida pelo agente estatal19.

Desse modo, sendo a matéria tributária uma atividade que não comporta subjetividade, diferentemente do que ocorre com tutelas cíveis, por aquela se tratar de proteção ao direito público, a única pretensão que resta ao contribuinte é a de poder garantir em juízo que seus direitos serão devidamente respeitados, ante às ilegalidades ou arbitrariedades do poder público.

Nessa ótica, James Marins, em uma análise das considerações de Gian Antonio Micheli, coloca que: “não é lícito ao Estado pretender impingir derrotas ao direito subjetivo individual do cidadão-contribuinte sob o pálio da defesa do interesse público ou do bem comum”20. Ou seja, não é correto sobrepujar os direitos individuais do contribuinte em favor do interesse público de arrecadação tributária.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Lapatza também afirma que é necessário a administração pública cumprir alguns requisitos de natureza principiológica, para que haja uma verdadeira justiça tributária, tais princípios são:

O direito ao processo (direito do contribuinte de não se submeter a dilações probatórias indevidas, e nem de oferecer garantias inaplicáveis para que haja a

17 MESTRES, Pont. La Suspension de los Actos de Liquidacion Tributaria y el Problema de las Garantias: Necesario equilíbrio entre la potestade de ejecutoriedad de la Administración y el derecho a la tutela judicial efectiva de los contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 1994.

18 MARINS, op. cit.

19 MICHELI, Gian Antonio. A Tutela Jurisdicional Diferenciada do Contribuinte no Processo Tributário (tradução Brandão Machado). In: Direito Tributário – Estudos em Homenagem ao Professor Ruy Barbosa Nogueira, São Paulo: 1984, p. 404.

20 MARINS, op. cit.

suspensão do ato impugnado), o direito a igualdade das partes (para que não haja uma aplicação de inversão do ônus da prova de maneira discriminada) e o direito do contribuinte de não declarar contra si mesmo21.

Quando Lapatza discorre sobre o direito ao processo, ele estende esse entendimento não somente ao processo judicial, mas a todas as etapas de procedimento, inclusive administrativas de gestão, revisão, inspeção.

À vista disso, os excessivos obstáculos e o excessivo período de tempo que o contribuinte tem de atravessar para estar diante do juiz, juntamente com o regime de suspensão e garantias inaplicáveis na prática, fazem com que nas ocasiões em que este alcança uma decisão judicial favorável, não seja útil, pois os prejuízos ocasionados por essa demora são irrecuperáveis.

O direito a igualdade das partes é amplamente atacado pelas presunções sempre a favor da Administração Pública, pois ao inverter o ônus da prova, coloca o contribuinte em uma situação de debilidade real que tampouco corresponde a uma igualdade formal.

Assim, a própria Administração está alheia ao princípio universal de que quem alega tem que provar. E mais especificamente no direito tributário, o que se atesta é que as provas a favor do contribuinte quase sempre são insuficientes quando o credor é a Fazenda; e esta, por sua vez, possui as prerrogativas de poder usar ficções jurídicas, conceitos gerais e regras de valoração, a seu favor.

3.   Soluções para se alcançar efetividade e justiça na prática tributária

 Algumas soluções propostas por Lapatza, que poderiam ser adotadas pela Administração Pública, com intuito de conceder ao contribuinte uma garantia de adoção dos princípios constitucionais de forma mais efetiva são: suspensão automática com a adoção de medidas cautelares oportunas, na ausência de garantias suficientes prestadas pelo contribuinte; redução de todos os recursos administrativos a um último recurso, para preservar o direito da Administração de reexaminar seus

21 LAPATZA, José Juan Ferreiro. Poder Tributário y Tutela Judicial Efectiva, In

Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba (1 – Direito Tributário), coletânea de coordenação de Celso Antônio Bandeira de Mello, São Paulo: Editora Malheiros, 1997.

próprios atos antes de levar a questão a juízo; adotar prazo máximo de autuações de inspeções.

Essas medidas são benéficas inclusive para a própria Administração Pública, pois o atual sistema a prejudica, na medida em que faz com que demore muito mais tempo para cobrar um grande volume de dívidas fiscais. Além disso, protege os contribuintes sonegadores, que tratam de atrasar mais ainda o que deve ser pago.

Com relação a primeira solução proposta por Lapatza, mais especificamente a possibilidade de adoção de medidas cautelares oportunas, imperioso bradar que esta se traduz como um dos pilares do Estado Social Democrático de Direito; isso porque essa medida garante que o cidadão contribuinte possa reclamar seguramente e utilizando mecanismos jurisdicionais, caso haja um excesso Estatal. Nas palavras de Cassio Scarpinella:

Se o grande objetivo do Estado de Direito é a proteção do particular contra as ingerências descabidas e descomedidas do Estado, evidente que o particular, na medida em que a atividade do Estado passou a ser reclamada nas mais diversas facetas do cotidiano, precisava dispor de remédios (ou, na verdade, contra remédios) contra a atuação deste mesmo Estado e ver, assim, eficazmente, realizadas as prescrições de liberdade constantes na Constituição22.

Ainda neste contexto, sobretudo em matéria tributária, a concessão desse benefício ao cidadão contribuinte, além de garantir uma realização da justiça no processo, não prejudica a Fazenda Pública, ou nos termos de Cleide Previtalli: […] “não acarreta a irreversibilidade do provimento porque em caso de improcedência o contribuinte responderá pelos encargos decorrentes da mora, tornando-se exigível a obrigação desde o momento em que indevidamente concedida a tutela”23.

Com relação à revisão dos recursos administrativos pela própria Administração, trata-se de uma medida garantidora de efetividade, na medida em que se tendo a certeza de que os atos praticados se deram da melhor maneira possível, não será mais necessário levar a questão ao judiciário; dessa forma, é também uma medida de economia processual.

22 BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em Mandado de Segurança: um tema com variações. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

23 CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

Outra solução prática que levaria ao alcance da justiça e efetividade no direito tributário, seria a adoção de um prazo máximo de autuações e inspeções, para evitar perpetuação ad aeternum do processo tributário e a morosidade em alcançar o direito.

4.   O poder tributário na visão de Lapatza

 Conforme Lapatza, é muito comum a generalização das expressões poder financeiro e poder tributário para se referir ao poder político na medida em que se manifesta no âmbito da atividade financeira.

Isso se dá especialmente ao legado da doutrina alemã do final do século XIX e início do século XXI, que tentou legalizar a ação do Estado, sem fazê-lo descer de uma posição superior que o impedisse, especialmente no campo tributário, de tratar e relacionar-se com os cidadãos, em um plano de absoluta igualdade24.

E é essa tradição que remonta a antiga teoria das relações de poder, a teoria da função tributária, que ataca uma das conquistas fundamentais da ciência jurídica do Século XX: a aplicação generalizada da ideia da personalidade jurídica do Estado que permite conceber suas relações com os cidadãos de forma bilateral, submetidas à lei e ao direito.

Não ignora a distinção entre o Estado legislador e o Estado administrador, nem que a soberania reside no povo, de onde emana os poderes do Estado; contudo, desvaloriza esse poder, seja baseado em parâmetros culturais de origem divina do poder, seja baseado que o poder uma vez sendo do Estado, permanece nele em toda sua plenitude.

Os mais recentes defensores da teoria da função tributária, dizem que enquanto na teoria da relação de poder o Estado não aparece como sujeito de uma relação jurídica que o vincula ao administrativo, mas sim aparece dotado de supremacia, revestido de vários poderes administrativos para obter renda; o sujeito privado ocupa uma situação de sujeição a esses poderes, em sua teoria de função a obrigação declina como instituto nuclear do tributo, que se explica como o desenvolvimento de uma função tributária ou como o exercício de um poder de imposição.

24 LAPATZA, op. cit.

O abandono da perspectiva metajurídica no estudo e análise do poder tributário, vai de encontro a toda a construção de um sistema jurídico democrático, pois reduz essa análise a termos estritamente jurídicos. O certo seria analisar o poder no mesmo plano e dentro da organização social a que ele serve, e não de forma separada como um fim em si mesmo.

Se tem uma grave desconexão entre o princípio da soberania popular, que reconhece e qualifica o povo como a fonte material última de todo o ordenamento, e a teoria do poder que se situa o Estado, o colocando acima dos cidadãos, paradoxalmente em função do poder coletivo.

O poder político sabe que as receitas públicas, e especialmente os impostos, não são apenas a manifestação mais clara do poder, mas constituem também uma condição sine qua non para a própria existência do poder.

O princípio da tutela jurisdicional efetiva é recurso último nas mãos dos cidadãos para procurar a vigência e a aplicação efetiva de todos os princípios constitucionais.

Concluindo, se o cidadão tiver consciência do direito e poder que tem nas mãos, a justiça e efetividade serão garantidas no processo tributário.

1.   Referências Bibliográficas

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______. Curso de direito constitucional tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros Ed, 2008.

 

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Dra. Iana Melo Brena Soares

Advogada atuante em Teresina/PI – OAB/PI 16.579; membro da Comissão de Combate a Corrupção e Impunidade na OAB/PI; foi membro do grupo de Pesquisa Criminologia e Direitos Humanos; autora de artigo jurídico publicado no livro Criminologia Direitos Humanos e Cidadania: Reflexões Críticas; Pós-Graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Estácio-PI; Pós-Graduada em Advocacia Tributária pela Universidade Cândido Mendes-RJ; Mestranda em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília-DF. email: ianaa_brena@hotmail

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